Por Estevan de Negreiros Ketzer

 

System One, da IBM

Tomamos o princípio da incerteza de Heisenberg: . Muito mais do que qualquer coisa que possamos entender, fora das observações laboratoriais, nos é necessário ter em mente o não entendimento do fenômeno quântico. Temos neste modelo da física uma delicada parte que parece agora fazer parte de nosso cotidiano sem nos darmos conta. Está inclusive agora em meu celular, transmitindo informações, muitas das quais influenciando diretamente minha vida, minhas decisões, inclusive quando não estou consciente de as estar tomando. Pois, para este domínio da física a energia é igual a multiplicação da Constante de Planck (h), da qual emana a radiação, com a velocidade do elétron, sendo sua fórmula consagrada:  . Isto porque Max Planck era apenas um cientista orgulhoso de seu esmerado trabalho acadêmico. Ele simplesmente experimentava em seu laboratório.

A aventura quântica nos levou seriamente a novas preocupações sobre os rumos da ciência no século XX. Friedrich Dürrenmatt descreveu muito bem este conflito em sua peça intitulada Os Físicos (Die Physiker), de 1962. Gostaria de ressaltar justamente o problema de que as descobertas da física poderão ser usadas para fins inescrupulosos, colocando os valores éticos sob suspeita, quando não ultrapassando-os rapidamente. Não podemos nos esquecer que só muito recentemente a IBM lançou seu computador quântico o System One em fevereiro de 2019. Esta importante marca nos leva a um novo paralelo histórico: o ser humano já não é mais capaz de competir com a máquina em termos de medida de conhecimento. O cálculo algorítmico desta máquina supera com perfeição, as variáveis da qualidade e do tempo, dados não paramétricos. Mais do que isso o System One é capaz de realizar pequenas modulações para atingir a curva pretendida, oferecendo previsões com grande exatidão, além de garantir sucesso ao entregar o exame esperado. O Big Data, como tem sido chamado pelos usuários do sistema Google tem criado novos mercados consumidores e feitos tantos outros desaparecerem por completo, ou os dispõe em fase proeminente de extinção.

Para melhorar este momento sublime, perdemos por completo a noção de liberdade tão cara a todos. Ser livre por quê? De alguma forma muito rápida e tão automática quanto um sistema cibernético simples, abrimos mão de sermos livres para atendermos a um ideal de conforto. Não é gratuito que o Estado esteja unido às grandes empresas monopolistas para obter um enorme conhecimento sobre nossas vidas. Um conhecimento que precisamente as empresas enxergam antes de nós. Yuval Noah Harari explica no programa Roda Viva, do dia 11 de novembro de 2019, acerca do conhecimento que uma empresa pode ter sobre o tempo de exposição que seu olho se detém sobre uma imagem do computador, determinando, em muitos graus, quais interesses estão ali, e assim “sugerir” qual marca é mais adequada para você. Estes elementos exploram de maneira complexa e muito mais eficaz a velocidade de resposta a um comportamento gerado pela interação social. É tão óbvio agora que nem vamos nos dar o luxo de reclamar, pois é parte do “progresso” civilizacional. A lógica não paramétrica do algoritmo lida com um homem precário, deficiente na tomada de suas escolhas, que ao lidar com as possibilidades de ser livre em direção a um futuro incerto, se fecha aonde seu comportamento é mais adaptado, para assim manter a aparência de que ele é livre, mas integrando sua mente a massa que guia a humanidade. A caixa de Skinner, ícone do comportamentalismo clássico da década de 1950, se tornou obsoleta.

Celebramos os resultados de uma ciência que se volta não apenas para acelerar os lucros especulativos, mas também para gerar um controle social nunca antes visto em quase seis mil anos de história ocidental. Este controle que hoje nos revoltamos, mas que até pouco tempo nos proporcionava um conforto surpreendente, a ponto de não vivermos mais sem Whatsapp, Twiter, Face e derivados do Google. Esta dependência chega ao ponto de eu escrever aqui e esses aplicativos para acelerar este texto e por esta razão também não desdenhar de seus avanços, mas celebrá-los como parte do desenvolvimento irretorquível da tecnologia assombrosa que o mundo liberal proporciona. Mais do que este problema de natureza inconciliável entre liberalismo e socialismo, é percebermos que aguardamos ansiosos a chegada ao mais completo estado de felicidade com tudo isto. Estado hipnótico de atender a necessidade imediata, gozo completo ao resplandecer toda a racionalidade que acreditamos inofensiva. E na falta de um travesseiro quente escorrega o delírio de um homem em frangalhos, naturalmente decepado de seu Netflix, indisponível ao movimento que hoje não podemos fazer devido a epidemia de Covid 19, sem data para terminar.

Então, o melhor momento para perder a autonomia chegou: em breve, quando a epidemia agravar, haverá o registro de nossos passos, a falta de abastecimento nos mercados, as companhias de internet não conseguindo dar conta da quantidade de usuários para, enfim, os mais aptos sobreviverem: não, este momento já chegou. A lógica darwiniana coro(n)a a cientificidade imaginada dos grandes homens quânticos. Será esta então a última era do homem antes de entregar-se à máquina? Entre a máquina que já chegou e o messias que ainda não veio também não será ali o nosso último de reflexão profunda sobre quem somos? Ou o ser humano pode sim se diferenciar da máquina? Uma nova forma de vida sem centro exato, espalhada por todos os lugares a nos observar com funções exatas, tão perto de um humano meio animal, quase máquina, quase tudo o que ainda puder ser ou se comprometer.