Por José Elielton de Sousa

 

Onde acaba uma coisa e começa outra? Qual o ponto de interseção entre dois universos? São os buracos que nos permitem transitar por entre realidades distintas? Determinar os limites da experiência humana parece um grande problema, senão ao menos uma arbitrariedade de certo campo sobre outro. O que diz um corpo dançando? O que não conseguimos perceber? Qual o sentido de um movimento quebrado? É possível captar tudo no conceito, como queria o filósofo alemão Hegel? Ou a vida mesma sempre nos escapa por alguma rachadura? Não seria propriamente certos objetos, atitudes, relações, disposições, certa estética do efêmero, aquilo que é próprio de uma filosofia viva, de uma vivência artística, como nos lembra acertadamente o filósofo, sociólogo e psicanalista brasileiro Daniel Lins? Não parece que existe mesmo uma instância primordial onde todos os olhares se entrecruzam e os limites se dissipam? Filosofia, ciência, arte, dança….

Não seria o corpo, em certo sentido, essa instância a partir da qual algumas fendas se abrem? Não estaria aqui os limites de certas filosofias que se ocupam justamente da eternidade (da alma, do conceito, da verdade)? Não seria a fragilidade do corpo, sua finitude, suas desmedidas, seus desequilíbrios, seus buracos, suas percepções afetivas, matéria para filosofia? E o conceito, o unidimensional, o movimento acabado, a constância, o entendimento, os limites da dança? A “bela forma” da dança, sua harmonia e perfeição, mata seu caráter perscrutador – a dança só é uma pergunta quando não faz sentido! Uma coreografia pronta é uma filosofia menos potente!

Se é na efemeridade, na fragilidade, no descontínuo, nas fendas, nos buracos, que filosofia e dança se tocam, o trouble maker-inventor-da-maldade-daimon não parece ser justamente aquilo que traz à tona nossos abismos internos? Nossos buracos existenciais? Nossos fragmentos infantis? Os arquétipos que nos determinam? Amor fati: nada desejar além daquilo que é – eis a bela provocação nietzschiana que a vida nos convida a experimentar. Ao invés da falta de sentido da existência, do medo de olhar o abismo, do apego desesperado ao conceito abstrato e desprovido de conteúdo, da barbárie que invade a porta, que tal uma dança?

Essa parece ser a provocação que o processo de criação “The Trouble Maker Series”, do coreógrafo piauiense Marcelo Evelin/Demolition Incorporada em pesquisa com o filósofo dinamarquês Jonas Schnor, nos convida a experimentar. Filosofia Dança: palco aberto ao imperceptível, à efemeridade das relações e dos sentidos, momento de edificação de significados silenciosos e de verdades corpóreas. Coreógrafo como filósofo – dança como interrogação!