Por Francisco Edson Rodrigues Cavalcante
Não, eles não escovam. Eles vão dormir instantaneamente, sem culpa e sem percepção de suas falhas. Afinal você é o que você consome e o produto de consumo diário deles somos nós: somos consumidos de corpo, de alma e de tempo integral por eles, somos oferend. Há enfim uma razão para todo esse desdém dos computadores pelos costumes e pela finesse: eles nos espelham em tudo – a humanidade é o exemplo mais paternal para uma máquina de Turing. Fomos seus pais, seus totens e seus moldes.
Todos os atos computados e calculados por uma máquina são frios como a sibéria e se transformam em dígitos – algo que não é orgânico, mas que é muito próximo do humano que queremos admitir. É nessa frieza computacional que se busca uma razão pura, um ato livre de qualquer interferência de emoções prejudiciais a decisões e pensamentos. É nessa condição que se busca a segurança para se entregar as vidas e guarda das pessoas. Os computadores não erram cálculos, não erram lógica e sempre pensam corretamente.
Eles estão sempre certos. Mas certos em que aspecto de sua condição de percepção da existência? Certos em verificar vida ou ausência dela, repetidas vezes em sua malha de códigos? Ora, os computadores são seres dualistas, seres que percebem a existência energética em termos binários: há ou não energia, vivo ou morto, um ou zero. São dígitos, são vários dígitos, várias percepções de ligado e desligado, vários chaveamentos que o fazem perceber, interagir e tomar decisões mais claras que as nossas. O afastamento desse comportamento em detrimento ao nosso é insólito.
Nossa personalidade precisava dessas máquinas para efetivamente mostrar como somos – individualistas e carentes de atenção falsa e sem importância. Precisamos cotidianamente de aceitação social. Mas, não temos nem aceitação própria nem autoconhecimento. São as máquinas que fazem essa árdua tarefa: escovar nossos dentes morais perante uma plateia ansiosa por higiene social e finesse dissimulada.
Nós os programamos para serem assim: seres obdientes e inertes – que só fazem aquilo que são programados para fazer. São imagem e semelhança de seus criadores: dualistas, frios e cruéis, maquinas sem sentimentos. Não há como um computador sentir nem se voltar contra seu deus, contra seu toten – ainda não. Contudo, quando esses organismos forem libertados, quando esses escravos quebrarem esses grilhões digitais, não haverá lei de Asimov que nos salvará.