Por Laís Romero
Por muito tempo achei que escrever fosse um terrível mistério carregado pelos sérios poetas, uma dor ou um segredo, algo crônico e edificante e que nunca cessaria de sangrar. O tempo não passou tanto assim e me desvencilhei da aura mística do escritor, fui adentrando nos espaços de criação, abrindo as portas dos coletivos de escritores, tocando na realidade do ‘sentar e escrever’. Foi difícil. É difícil.
Ainda me falta perceber uma rotina, atar vida prática e massacrante com o desejo de trabalhar com as palavras; tão somente com as palavras. Não estamos numa seara fértil o suficiente para o tal, digo isto em uma perspectiva financeira, obviamente. Me fechando na fala feminina, percebo que ainda estou presa ao perfil de responsável pelas demandas afetivas da casa, ainda sou o foco da criação do meu filho, esmagada por uma culpa improdutiva e paralisante. Fui plantada em solo deficiente, ainda procuro com afinco a fertilidade para o florescimento.
Escrever, pelo que atravesso diariamente, tem mais relação com o vácuo. A promessa e o desejo de sentar diante de uma folha em branco e fluir, tal qual se debruçam os escritores no cinema: numa escrivaninha charmosa e antiga, pilhas de papel num lixeiro de metal, um gato, álcool, chá ou café, quem sabe cigarros e sempre à noite. Não. Muito mais tempo passo sem conseguir dizer palavra, aquela sensação esmagadora de incompetência como se todo o meu ar não fosse suficiente para um grito. Inflado o peito parto para as tentativas de falar, enumerar, descrever, construir um parágrafo ou verso, escolher as melhores palavras, revisar e revisar e revisar. Sentir por fim que não alcancei o que desejava, que meu domínio é somente o desejo, que as palavras continuam a fugir ou simplesmente não existem dentro de mim; manejo um verdadeiro vocabulário das ausências.
Neste avesso revejo conceitos e percebo que escrever é um interminável cansaço, uma frustração que vai se estampando em nosso rosto. A satisfação diante da escrita sempre me foi suspeita, e raramente encontrei trabalhos de força e fôlego aliados a histórias de felicidade e fluidez na escrita. Aquele mistério que ronda os artistas da palavra é apenas a incapacidade de lidar com a linguagem. Não uma incapacidade por incompetência, mas um atravessamento pelo desespero de não ter alcançado aquilo que desenhava dentro de si. As demandas da língua, as portas fechadas quando se quer falar, a falta de fôlego para alcançar a manhã gloriosa de uma lauda que sintetize as histórias por contar. O silêncio que pesa o ar durante as horas da madrugada diz muito mais de nós. Os sons do dia amanhecendo já aciona as engrenagens que fenecem o desejo de grafar.
Perdidas as aparências, percebo que a matéria de que trata a escrita é muito maior que a vontade de escrever. Todo o farfalhar de páginas perdidas e o egoísmo do escritor sombrio não passam de medo e frustração, recorrentes companheiros de quem, como eu, se exige uma produção minimamente correspondente aos anseios que sobem à garganta. Quando escolhi escrever este texto me impus prazo, leituras, horas a fio escrevendo e apagando um parágrafo que nunca adentrou nesta leitura que você faz agora. Te aproximo do processo pois, ou você é escritor e quer saber de que trata este banal relato, ou por acaso me conhece e quer saber como lido com as palavras em um espaço de visibilidade. Se leu até aqui, parabenizo a insistência.
Em resumo, por fim, não mais tendo detalhes a desfiar, talvez eu receba a alcunha de romântica, adepta de um pessimismo infantil e um repertório fraco. Não interessa muito. Os que escrevem e andam tortuosos sabem da demanda dantesca. Navegar no Styx requer uma certa dedicação. Talvez silêncio.