José Vanderlei Carneiro
“Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.”
(Pablo Neruda)
… “devolva o Neruda que você me tomou. E nunca leu…”. Começo assim mesmo com uma mistura daquilo que já tenho, com aquilo que me falta, como alimento para alma. Uma dêixis na escritura da lembrança que me faz acordar do sono do mundo atual. Preciso voltar indo às fontes da ternura como protesto de sangue, ou seja, como ordem cívica: “… agora é no braço, companheiro!” Pois em tempos sombrios a liberdade é, como sempre foi, um ato político – num Estado de exceção a desobediência é o que nos resta.
Nos tempos mais duros da história de um povo as declarações de amor – “My life” – eram gritos grafados no papel sem endereço nem nomes, para a repressão não se apropriar deles. Nas cartas estavam politicamente sentimentos de saudades e poeticamente segredos de operações políticas. Voltamos ao trágico da vida! Mas o mágico da carta de papel, escritas a punho, dentro da cela, hoje mesmo, e lida em alto e bom som no meio do cerrado brasileiro, produz um efeito de sentido que a racionalização contemporânea não consegue armazenar nos seus software.
“Acredito, do fundo do coração, que o Brasil pode voltar a ser feliz. E pode avançar muito mais do que conquistamos juntos, quando o governo era do povo.” O velho carteiro faz o menino declamar seu amor publicamente. “Meu nome é João, eu sou brasileiro! Amo meu País…”. O texto é sempre real, simbólico, imaginário, criativo, que vem da alma ou da imposição dura da realidade produzida! Ou da permissão que a carta do carteiro pode dizer.
Dirão, com o poeta, que: “todas cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.” Mas ridículos são aqueles que não têm cartas de amor ridículas para lembrar. Ridículo é um país que censura a circulação de cartas de amor. “Tira-me o pão, se quiseres, tira-me o ar, mas não me tires o teu riso”.
Aqui, vejam, o carteiro e o político são o mesmo. As cartas trazem, no que está escrito, projetos de mobilização do amor político. Política na compreensão de Rubem Alves é ato de amor: “De todas as vocações, a política é a mais nobre. […] Vocação é um chamado interior de amor: chamado de amor por um ‘fazer’. No lugar desse ‘fazer’, o vocacionado quer ‘fazer amor’ com o mundo”. Sou amante, hoje decidi. Escreverei cartas de amor e distribuirei nas ruas e nas escolas. Seguirei o carteiro da alegria. Esta será, porque foi, a minha primeira carta.
Aniversário de Teresina, século XXI.
“Nós não temos o direito de errar”. O amor é assim: em cada palavra, um discurso; em cada mão um abraço e em cada passo uma multidão! Em cada obra de arte: terra, agasalho e comida; em cada música, um compromisso e em cada sorriso uma canção pela vida. Na cidade, cada sonho será distribuição de renda; em cada noite, casa para dormir; em cada risco, uma sabedoria lúcida; em cada pedaço de chão, um mutirão e uma escola; em cada coração, um mar vermelho que transborda, um comitê de cidadania e uma vontade de acertar! … uma carta, uma boa noticia…
- O Carteiro é livre, porque escreve; não escreve, porque é livre.