Wellington Soares

Coisas e outras

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1968 – Um ano de rebeldia

Desde que me entendo como gente, as coisas acontecem exatamente assim: sai ano, entra ano, e a vida a nos surpreender sempre. Espetáculo para ser não só assistido como, sobretudo, vivenciado com paixão e destemor. Alguns anos, sabemos todos, passam quase despercebidos, varridos que foram para um cantinho da memória. Outros, ao contrário, são guardados com muito carinho do lado esquerdo do peito, uma vez que encerram fatos e lembranças tatuados até hoje em nossa pele. Mas existem também, acreditem, os anos que teimam em sobreviver, dado os paradigmas que abraçaram em tão curta existência. É o caso, por exemplo, de 1968, ano que simboliza o melhor das pessoas – o inconformismo diante do mundo injusto e careta de todas as épocas.

1968Tanto lá fora quanto no Brasil, o bicho literalmente pegou, com a rapaziada tentando tomar a liberdade em suas próprias mãos e despachar de vez todas as formas de opressão. Em Paris, o lema adotado pelos jovens nas manifestações estudantis não poderia ser mais emblemático: “É proibido proibir”, com a pluralidade de sentidos que a expressão conota. No Brasil, em plena ditadura militar do AI-5, o refrão entoado era de Caminhando, música censurada de Geraldo Vandré, tida por alguns como a nossa Marselhesa: “Quem sabe faz a hora, / não espera acontecer”. Em ambos os casos, a estudantada teve que enfrentar a fúria e o autoritarismo da polícia, com seus cães e bombas de gás (Polícia é polícia, / é qualquer canto, parafraseando aqui os Titãs), mas sem arredar pé de suas utopias e desejos. Flores no lugar de canhões, era a troca empunhada por esses garotos nas passeatas mundo afora.

No aspecto cultural, tivemos importantes contribuições através do movimento hippie, nos Estados Unidos, que ousou falar de paz e amor em plena guerra do Vietnã, substituindo as armas por letras bem humoradas e críticas; os campos de batalha, por festivais de rock; a carnificina ideológica e física, por um encontro festivo entre irmãos. No Brasil, um poeta desfolhava a bandeira e o movimento tropicalista surgia. Criativo, polêmico e abusado, na grande geleia geral que Pindorama havia se transformado. Torquato Neto e seus amigos baianos – Caetano veloso, Gilberto Gil e Tom Zé – tiveram a coração de desafinar o coro dos “contentes”, daqueles que estão presos ao passado ou tentam algarismar o futuro. Sem falar também dos instigantes filmes de Jean-Luc Godard (A chinesa) e Gláuber Rocha (Deus e o diabo na terra do sol), cineastas que nos apontaram uma outra maneira de olhar a “sétima arte”, mais fascinante e reveladora.

Além da rebeldia, da contestação,da militância política e das viagens através das drogas, 68 representou um avanço na sexualidade das pessoas. Longe dos sentimentos de pecado, tão difundidos pelas religiões, o sexo passava agora a ser desfrutado como sinônimo de prazer e bem-estar. Melhor ainda, sem o perigo de gravidez indesejada, graças às pílulas anticoncepcionais. De tudo o que herdamos desse período, aponto como mais significativos o despojamento das roupas, a alegria de viver, o êxtase em sonhar e produzir, o senso de justiça e, principalmente, a vontade de mudar as coisas. Mesmo quando não conseguimos, nada se compara a sensação da tentativa. Imperdoável é não fazer por onde ou achar que este mundo sempre foi assim: imprestável e absurdo. O espírito de 68 somente vale a pena – descontados os exageros e os equívocos – se for reinventado. Resta saber se a juventude de nossos dias tem disposição e tutano para tanto.

Dois pequenos contos de Teresina

DESORIENTADO

Depois que ela se foi, há quase um mês, esta é a primeira vez que saio do apartamento. Não por vontade própria, mas insistência dos amigos. Precisava espairecer um pouco, diziam, ver gente. Talvez receassem eu enlouquecer de vez. Meu corpo, entretanto, não dava sinal de vida, estirado na cama sem disposição pra nada. Quanto à alma, dava pena vê-la destroçada num canto do quarto, talvez buscando compreender tamanho desamparo. Agora entendia o porquê de ligarem o amor a precipício, metáfora de fundura sem fim, com a pessoa despencando lá de cima,  sequer um galho para amortecer a queda. Dar voltas pelas ruas de Teresina, ao contrário do que se imaginava, acentuou ainda mais a sensação de desespero. Cada pedaço dessa cidade guarda muito de Olívia, particularmente o centro, ela que adorava tanto passear por ali em silêncio e ouvindo Cat Stevens, seu cantor predileto, curtindo as belezas da Frei Serafim e o crepúsculo na Ponte Metálica, onde o sol se esconde no horizonte mais bonito que noutro lugar. Dizia gostar muito do cheiro de nossos rios – o Parnaíba e o Poty -, infelizmente abandonados por todos, incluindo gestores e habitantes; e, sobretudo, do calor nos meses do B-R-O-Bró, quando afirmava sentir a libido pulsar de forma intensa. Preferia mil vezes o calor, destacava sempre, do que o frio estéril em sentimentos viscerais. Em Olívia, eu adorava tudo, o beijo em especial, sabor diferente a cada dia e capaz de acariciar nosso âmago. Desejo de jamais desgrudar de seus lábios sensuais, horas a fio num siribolo ardente de línguas. É o beijo na boca – profetizava Nelson, o Rodrigues, o sábio teatrólogo pernambucano – que faz do casal o ser único, definitivo, tudo mais sendo tão secundário, tão frágil, tão irreal, com o que assino embaixo. Acontece que ela partiu, de repente, sem avisar nada, deixando-me completamente desorientado e triste. E agora, sem rumo, não sei o que fazer.

***

NO INFERNO

Morro, mas morro feliz. Levo comigo dois desses desgraçados que infestam a cidade. Irão agora prestar conta no inferno com o diabo, o pai deles. Tive medo de afrouxar na hora, cagar na calça, como se diz, mas encontrei coragem no ódio. Foi ele, com certeza, que encheu meus culhões de sangue para enfrentá-los cara a cara. Vão se foder, escancarei a boca e gritei, seus filhos de uma grande arrombada. E o três-oitão começou a soltar fogo pela boca, como se eu tivesse xingado a mãe dele. Me fez lembrar o pipocar das balas, os folguedos juninos em Teresina. Senti a mesma emoção quando estourava, ainda criança, traques nos pés dos outros. Quanto maior o susto, maior era minha alegria. A gargalhada azul e barulhenta do mar. Como era prazeroso senti-la novamente. De dois, pelos menos, o mundo vai se ver livre. O terceiro, que me acertou, conseguiu fugir. Experimento agora uma indescritível sensação de paz. Do peito ainda escorre um sangue quente, começa a ficar embaçada a minha vista. Umas lembranças surgem, como formiguinhas, em fila indiana. Menino, jogando peteca e banhando de chuva com os outros molecotes. Adolescente, me sentindo livre em cima de uma bicicleta e da prima que morava em casa. Adulto, cercado por amigos numa mesa de bar e contando histórias para meu filho dormir. Estranho o frio que passo a sentir, quem sabe do sangue perdido ou do sentimento de abandono.  Onde estão todos? Deviam ter aparecido no foguetório do juízo final. Coisa mais arretada que já vi na vida, com as pessoas completamente irreconhecíveis, numa animação só. Eu mesmo, covarde que sempre fui, me surpreendi no papel de valentão. Precisavam ter visto. Agora, infelizmente, é tarde. A morte, hoje vestida de vermelho, me beija com sofreguidão. Para sempre, digo a vocês, ela me seduziu e conquistou.

4 histórias breves

Consciência de classe

A vida naquela casa luxuosa era tudo o que ela tinha pedido a Deus. E graça ao amor de seu Fabrício, um setentão carinhoso e de mão aberta, as coisas para ela tinham mudado radicalmente. Ontem, a zona e a comercialização das carícias. Hoje, o conforto e a segurança do lar. Mas, com o passar dos dias, a inquietação foi apoderando-se dos olhos meigos da rapariga. A casa, antes espaçosa, tinha ficado pequena demais para o tráfego de suas dúvidas. Nada mais a satisfazia ali. Até mesmo os antigos palavrões sussurrados ao pé do ouvido, por seu Fabrício, não provocam mais arrepios. Não pensou duas vezes. Abandonou o sossego do monopólio capitalista pela socialização das coxas e gozos, na zona.

Cicatrizes da beleza

Tenho uma filha com cicatrizes horríveis no rosto. A navalha cortou fundo sua tez morena. Ela explicou que fez isso porque os homens só viam nela apenas a beleza física, ignorando sua beleza interior, mais importante segundo sua opinião. Mas agora, quando homem nenhum lhe dirige sequer um olhar, ela fica triste, num choro extremamente penoso. Eu, como pai, estou com as mãos completamente atadas, pois não sei como proceder para acalmar o sofrimento de milha filha. Afinal, o que se faz quando se tem uma filha com extraordinária beleza interior e nenhum homem é capaz de perceber isso?

Descanso na loucura

Amar é bom, pensou Isaura, difícil é não ser correspondida. Ainda mais por se tratar de um amor platônico, daqueles que se curte à distância, sem o dito cujo sequer desconfiar. Quem mandou se apaixonar logo por Benjamim, diretor da escola de línguas e com idade de ser seu pai. Mais grave ainda, esposo da professora de inglês, a quem adorava. O coração da gente, falava pra si, sempre aprontando belas surpresas.  Mas quem pode domá-lo quando a paixão surge inesperada e devastadora? Agora era sangrar calada, no cantinho da sala, suspirando quando ele aparecia para dar algum aviso. Nem para a melhor amiga, a quem confessava quase tudo, podia abrir o jogo. Ficava apavorada com a ideia de alguém saber e espalhar para todo mundo. As redes sociais viviam guilhotinando vidas e reputações. Diante do precipício, agarrava-se, buscando acalmar seu desassossego interior, à tirada genial do mestre Guimarães Rosa: “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”

Deixe de frescura!

Dava pena ver o “velho” naquela situação, triste e perdido, depois que mamãe resolveu trocá-lo por outro. Nem parecia o mesmo homem de antes, feliz com a vida e dono do próprio destino. Agora vivia trancado no apartamento e excluído do convívio social, sem querer conversar com ninguém. Morria de vergonha de todos, ainda mais dos amigos, que zombavam de sua cara por trás. No íntimo, eu tinha medo que meu pai fizesse uma besteira, matando os dois num típico crime passional. Não esqueçamos que a mão que afaga, como expressou certo poeta, é a mesma que apedreja. Quando menino cheguei a pensar, tomado de ingenuidade, que o amor deles estava impregnado de eternidade. Mas não suportando vê-lo arrasado daquela maneira, já por uns três anos, o jeito foi espantar de vez tamanha covardia: “Deixe de frescura, paizão, levante essa bunda do sofá e procure outra mulher, produto bastante farto em Teresina”.  Não tardou muito para a felicidade aparecer outra vez naqueles olhos tímidos.

Noite frienta e musical

Numa dessas noites, o frio chegou lá em casa, na ladeira do Uruguai, mais alegre e convidativo do que nunca. Como se quisesse, no fundo, me recompensar pelos transtornos do calorzão da tarde. Daqueles de matar, de fritar miolos até na sombra, acabando de vez com o nosso reduzido estoque de paciência. A natureza tem, felizmente, dessas coisas: castiga impiedosamente durante o dia, mas à noite acaricia com delicadeza. Na hora da reconciliação, como naquele momento de lua cheia, nada melhor que uma rede na varanda, sem falar de um cobertor cheiroso e quentinho. Para aquecer o peito, umas duas ou três taças de vinho, tomadas devagar e saboreadas com prazer. A música, que aquieta o sentido de meus erros, escorre pelo ambiente ocupando vazios, embalando sonhos, sobretudo, quando dou ouvidos à produção local, de melodias e letras extraordinárias, já tatuadas na pele e nos ossos da gente, tanto as de ontem como as fresquinhas de agora, mais recentes.

 Abro o repertório com Morena, um clássico do cancioneiro piauiense, de autoria do grande Naeno, um dos mais talentosos compositores da terrinha, ouvindo estes versos iniciais que costumam emocionar a cachola: “Olha, morena / se você quiser que eu seja / um homem livre / pra poder te merecer / eu rompo já todos os laços que me prendem / e nos teus braços vou cair como pingente”. Dele também, aproveito para assuntar Incelença, em parceria com Climério Ferreira, música que dá vontade de repetir um montão de vezes, de tão gostosa de boa. Fechando os olhos, e em paz comigo e o mundo, viajo espiritualmente no CD Entre nós, produzido por ele e um grupo de músicos da melhor qualidade, quando sou tomado por um forte sentimento de amor e agradecimento ao Homem lá de cima, bem como aos daqui de baixo, em especial a esses que foram capazes de fazer coisas tão belas e arrebatadoras.

Outra que boto sempre para tocar é Quando a gente quer, do Edvaldo Nascimento, um rock maneiro, feito a quatro mãos com Machado Júnior, que celebra a paixão repentina por alguém muito especial, dando uma vontade lascada de lhe sapecar milhões de beijos na boca apetitosa: “Dentes e língua / língua nos dentes / morrendo à míngua / quando a gente quer / a gente sente”. Mas de todas, a que dele mais curto e mexe fundo comigo é Poemas e carícias, com letra de Cruz Neto, evocando as corajosas lutas políticas na Ufpi, quando a estudantada universitária gritávamos pelo fim da ditadura militar. Em coro bonito de lembrar até hoje, com três a quatro mil vozes, soltávamos as gargantas com paixão e revolta: “A tua presença / me deixa assim legal / desde os tempos da universidade / enquanto a rapaziada / discutia a conjuntura nacional / eu e você / trocamos mil beijinhos / no meio da greve geral / meu amor / a UNE nos uniu / e fomos pra um motel / e eu te fiz poemas e carícias / e você cheia de malícia / cobriu meu corpo de mel”.

Das muitas guardadas no peito, uma não pode faltar de jeito nenhum, nem que a vaca tussa, até porque traz um pedacinho do litoral para dentro de mim, a envolvente Pedra do Sal, uma composição e tanto de Teófilo Lima, que deixamos tocar infinitamente como a querer mergulhar e não sair nunca daquele marzão azul de meu Deus: “Ouvi dizer de uma bela ilha / de um pedaço pedra do sal / com tesouros escondidos e um farol / pedaço de uma maravilha líquida / se debatendo contra a pedra / e o sol fazendo desse casamento o sal. / Assim se fez / Assim nasceu Pedral”.  De seu primeiro CD, não canso de escutar também A volta do Zorro, Beijos e cacos e a danada de linda Compreendi. Do segundo trabalho, vem o refrigério para o desassossego da alma no belíssimo blue de Flores e línguas e no eletrizante remix de Cabeça de Cuia.

Mas como deixar de ouvir, criatura, em noite frienta e marcante, o somzaço da Validuaté, banda que nos faz levitar de tanta emoção, o talento escorrendo em suas letras e sonoridades, a exemplo de A onda, com “teu cheiro agorinha veio e me acertou em cheio/ e me completou o vazio no peito/ que não se aguentava mais de te querer/ de novo, aqui e assim pra sempre”. E o que dizer da versão que fizeram do grande sucesso de Márcio Greyck, Eu preciso é de você, levando as novas gerações (e as velhas também) a cantarolar o inesquecível estribilho da canção: “Por que, todo mundo precisa de alguém?/ E eu preciso é de você./ Pra comigo andar e para me entender/ Eu preciso é de você/ Pra continuar e pra não me perder”.

Nessa altura do campeonato, já completamente embriagado de sensações e linguagens acústicas, deixo as músicas galoparem livres na vastidão de minhas reminiscências: Freak lagarta, de Mirton e Galvão; O peru rodou, de Maria da Inglaterra; Bem melhor, da Mano Crispin; Espelho, da banda Acesso; Maquetes loucas, da Narguilé Hidromecânico; Passado, de Erisvaldo Borges; Poemeto Erótico, de Os Caipora, em cima de texto de Manuel Bandeira; Agora é tarde, de Lázaro do Piauí; Brasileiro, de Machado Júnior eCaleidoscópio, de Wilker Marques. Mas de todas, digo e não peço segredo, a que me faz sangrar é Coração sem jeito, de Roraima e Paulo Moura, cantada na voz suave e terna de Ronaldo Bringel. Diante dessa estupenda fartura melódica, as dores da vida perdem importância, lamentável apenas nem todos terem se tocado ainda para o nosso riquíssimo cancioneiro musical. Até quando?

 

 

Domínio público

Quem gosta de boas notícias na entrada de ano novo, esta não poderia ser mais alvissareira: Macunaíma, de Mário de Andrade, texto fundamental da ficção nacional, entrou em domínio público no início deste mês. Qual o significado de tal fato, cara pálida, deve alguém indagar? Simples, o livro poderá ser copiado, xerocopiado, reproduzido e adaptado livremente por qualquer pessoa. E o que é melhor, sem restrições ou necessidade de autorização e pagamento de direitos autorais. Isso ocorre porque, no Brasil, as obras ficam livres no 1º dia do ano seguinte em que se completam 70 anos da morte do autor – Mário faleceu em fevereiro de 1945. O restante de sua obra está liberado também, incluindo os vários livros de poesia, romance, carta e ensaio, merecendo destaque ainda Pauliceia desvairada e Amar, verbo intransitivo, textos consagrados de nosso modernismo.

Macunaíma 1Um dos líderes do movimento que revolucionou a cultura brasileira em 1922, através da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, Mário de Andrade era um escritor de rara sensibilidade e um homem apaixonado pelo seu país. O legado da obra produzida é imenso, abrangendo da literatura à música, passando pela filologia e desaguando no estudo das tradições populares. Mas de todos os livros lançados, são as peripécias de Macunaíma que conquistam o imaginário dos leitores. Não à toa, pois as histórias do lendário “herói sem nenhum caráter” nos deixam bastante comovidos. Ele é filho de índios, mas nasce preto retinto e depois vira branco, síntese de nossa miscigenação. Desde cedo faz coisas de sarapantar, a começar passando mais de seis anos sem falar, decepando cabeças de saúvas, bolinando as cunhãs, cuspindo na cara dos marmanjos, mijando na mãe, dando pra ganhar dinheiro e, como se não bastasse, “brincando” com as cunhadas. Para enganar os outros, desde novo criou um bordão que o acompanharia ao longo da vida: “Ai! que preguiça!”.

Após a morte da mãe, que ele mesmo provocara, Macunaíma parte com os irmãos Maanape e Jiquê para conhecer o mundo. Nessas andanças, conhece Ci, guerreira amazona com quem casa, tornando-se Imperador do Mato Virgem, de quem ganha a muiraquitã, pedra mágica que proporciona fortuna. Ao perder o amuleto, que cai nas mãos do mascate peruano Venceslau Pietro Pietra, nosso herói parte para São Paulo a fim de recuperá-la. Para tanto, recorre a várias artimanhas até derrotar o Gigante Piaimã, comedor de gente – macumba, disfarce de francesa, engolir sapos -, resgatando o talismã recebido da saudosa Ci, falecida logo depois da perda do filho. Missão cumprida, Macunaíma volta à Amazônia, deparando-se com o fim do seu povo, a tribo Tapanhumas. Por desavenças com os irmãos, provoca a morte deles, ficando sozinho no mundo.

Num dia de calor insuportável, ele vai tomar banho na lagoa quando, seduzido pela Uiara, que se faz passar por uma cunhã muito bonitinha e fogosa, tem a perna e outras partes do corpo devoradas, numa vingança torpe da Vei, a sol, pelo simples fato de o nosso herói não ter casado com uma de suas filhas. Para completar, ainda perde a muiraquitã novamente. Sentindo-se muito sozinho e triste, bem como sem ter ninguém com quem “brincar”, Macunaíma parte para o céu e, chegando lá, depois de perambular de porta em porta, é transformado por um amigo na constelação Ursa Maior: “É mesmo o herói capenga que de tanto penar na terra sem saúde e com muita saúva, se aborreceu de tudo, foi-se embora e banza solitário no campo vasto do céu”.