Wellington Soares

Coisas e outras

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Cultura no Natal

Quando o Natal se aproxima, pensamos logo em festa, ceia e presentes. Não necessariamente nessa ordem, não é mesmo? Festa simbolizada na reunião de familiares e amigos. Ceia relembrando o nascimento de Jesus. E presentes, claro, gesto de carinho a pessoas queridas. Enquanto alguns preferem algo caro, outros coisas fúteis, sou dos que optam em dar e sugerir objetos culturais. Baratos em termos monetários, mas expressivos em afetividade, sobretudo, nestes tempos de crise econômica. Vale mais a lembrança, acredite, que o valor em si do presente. Entre eles, destaco o livro, fonte de conhecimento e diversão, que agrada a todos indistintamente. Tanto aos vidrados por leitura como aos que nunca abriram um livro na vida. Os primeiros, por terem um título novo para degustarem no final do ano. Quanto aos segundos, por se verem desafiados a penetrar num universo mágico e de riqueza interior.

Comecemos pelos autores nacionais, publicados por editoras renomadas ou alternativas. Ana Paula Maia é uma excelente pedida. Já ouviu falar dessa escritora carioca? Se não, precisa conhecê-la urgentemente. Não pelo fato de ser jovem, tampouco possuir uma obra ainda pequena, mas por ter uma escrita forte, pungente, das que deixam o leitor com náusea, descrente da vida. Li três de seus livros pra nunca mais esquecer: Carvão animal, Enterre seus mortos e Assim na terra como debaixo da terra, histórias centradas em homens rudes exercendo trabalhos braçais que moldam sua percepção de mundo. O livreto Sertão Japão, de Xico Sá, é outra boa opção também, pela lindeza do projeto gráfico – com xilogravuras de José Lourenço e ilustrações de thais Ueda – e haicais ligando ficcionalmente o país oriental e o Cariri do interior cearense: “chinelo de Virgulino/ solado de samurai/ despiste no destino”.

Dentre os piauienses, vamos com dois poetas da melhor qualidade, que tiveram livros reeditados este ano: Graça Vilhena e Paulo Machado. Com selo da Quimera, a Obra reunida, da teresinense Maria das Graças Pinheiro Gonçalves Vilhena, reúne seus livros anteriores – Em todo canto (1997) e Pedra de cantaria (2013), edição lançada na Balada Literária daqui e de São Paulo, no último mês de novembro. Os versos de Revelação indicam a grandeza dessa poetisa madura, que gosta de refletir sobre as coisas simples do cotidiano e as escaramuças das relações amorosas: “No corpo da noite/ o silêncio é cicatriz/ à luz de velas/ meus olhos velam tua ausência/ doem com os barcos/ Tristíssimas velas/ no horizonte do meu quarto.” Não é que voltamos a ter pra nossa felicidade, 36 anos depois, uma nova edição de A paz do pântano, de Paulo Henrique Couto Machado, obra das mais importantes de nossa poética, um olhar  questionador e cheio de ternura sobre a Teresina marcada pela indiferença do tempo: “na praça marechal deodoro/ às nove horas há velhas com suas memórias/ recompondo o tempo”.

Como não se vive só de literatura, especialmente nesta época, que tal algumas sugestões de música? De fora, destaco os trabalhos estupendos da campo-grandense Alzira E, com o álbum Corte, reunindo dez faixas de tirar o fôlego do ouvinte, entre as quais despontam Em nome de quem e Dízima; e direto da Penha, distrito de São Paulo, nada menos que Anelis Assumpção, com Taurina, um álbum que emociona do começo ao fim, biscoito fino que nos lambuza de tanta gostosura, 13 faixas desnudando o universo feminino: “Naquele dia eu te dava na cozinha / Cê gozava e eu fingia que não tinha amor ali”. Da prata da casa, temos três CDs maravilhosos, todos lançados em 2018, a começar pelo Manual de instruções para, da banda Validuaté, que traz 12 faixas inéditas com pegada romântica e pop. Em seguida, vem Teófilo, do genial artista parnaibano, com dez canções que revisitam sua própria história e certa inquietação social (Globolidanão). E, por fim, Encontros, trabalho que sinaliza a volta da cantora Laurenice França aos estúdios, verdadeira celebração à música e à amizade, a exemplo da faixa Como um bolero, num belo dueto com Agnaldo Timóteo.

Inspiração

Toda vez que vou a Sampa os versos de Inspiração, do poeta Mário de Andrade, saltam da memória e gritam felizes: “São Paulo! Comoção de minha vida…”. Talvez por despertar em mim emoções incontroláveis, de puro prazer. Quem sabe fascínio pela agitação frenética da cidade, metrópole acolhedora de todos os povos do mundo.  Ou ainda, provavelmente, suas vastas opções de atividades culturais, a saciar nossa gulodice estética. Foi o que experimentei lá, tudo isso e algo mais, ao participar da 13ª Balada Literária, entre os dias 20 e 25 de novembro último. Homenageados do evento? Nada menos, assunte bem, que dois artistas excepcionais: Itamar Assunção e Alice Ruiz, melodia e letra em contornos geniais mudando a cara da MPB – “Os meus amores são flores feitas de original…”, como diria o autor de Macunaíma e Pauliceia Desvairada.

Comoção foi encontrar também figuras que, literariamente, inspiram nossa vida de eterno aprendiz de escritor. Fernando Bonassi e Marçal Aquino são duas boas referências dessa instigante viagem com e através das palavras. O primeiro, pela leitura de Passaporte, relatos de viagem com pitadas de humor e olhar devastador; sem falar dos roteiros pro cinema, tais como Os matadores e Carandiru. O segundo, pela envolvente história de amor entre Cauby e Lavínia, em Eu receberias as piores notícias dos seus lindos lábios, romance bem urdido e com toque poético. Quanto ao jornalista Xico Sá, que mediou conversa na Balada, recebi dele presentes maravilhosos: Sertão Japão, livrinho de haikais, ligando o Nordeste brasileiro ao país oriental; e a garantia de sua vinda a Teresina, convite aceito e juramentado, pro Salipi do próximo ano. No Instituto Brincante, bairro Vila Madalena, nada melhor que conhecer e ouvir texto de Sérgio Vaz, poeta dos que mais admiro atualmente: “Enquanto eles capitalizam a realidade, eu socializo sonhos.”

Blubell: Confissões de Camarim.

Quase dando um troço, de tão comovido, levitei com a linda exposição Millôr: Obra Gráfica, no Instituto Moreira Sales, reunião de peças originais que mapeiam, ao longo de 70 anos, os temas mais abordados pelo genial artista carioca – Millôr Viola Fernandes (desenhista, dramaturgo, humorista, escritor, poeta, tradutor e jornalista). No Centro Cultural B_arco, em Pinheiros, fui tomado de paixão pelo talento musical de Blubell, nome artístico de Isabel Fontana Garcia, cantora paulistana que seduz pela empatia no palco e autoria de letras criativas. Na noite da diversidade, dentro da Balada Literária, ela simplesmente arrasou ao homenagear Ângela Maria, cantando alguns de seus inesquecíveis sucessos. Com direito a autógrafo de Blubell, adquiri Confissões de Camarim, de pegada jazzística, que escuto extasiado sem parar.

Emerson Boy e Banda Van Grog: fazendo bonito na antiga terra da garoa.

Como ir a São Paulo, comoção de minha vida, e não assistir ao O Fantasma da Ópera? Em cartaz no Teatro Renault, o musical que completou 30 anos em 2018, inspirado no romance homônimo de Gaston Leroux, sucesso estrondoso da Broadway até hoje, emociona em sua versão brasileira. História centrada num triângulo amoroso – envolvendo uma misteriosa figura mascarada (Erik), a jovem soprano Christine e o aristocrata Raoul –, com enredo e desfecho surpreendentes. Na Paulista, avenida livre aos domingos, curti o blue maneiro de Peter Hassle & Screw’d, banda da melhor qualidade. Mas comoção mesmo, bofetada lírica no Bambu Brasil, barzinho na Vila Madalena, foram os shows protagonizados por Soraya Castelo Branco, acompanhada de Josué Costa, e Emerson Boy e a Banda Van Grog, músicos piauienses fazendo bonito na antiga terra da garoa – “Galicismo a berrar nos desertos da América!”.

Paixão pelo mar

 

Estivemos na bela cidade de Parnaíba num desses finais de semana. O passeio não poderia ter sido melhor. Ainda mais acompanhado de duas pessoas queridíssimas: Ceiça, irmã mais velha, e dona Raimunda, nossa mãe, que fez 94 anos neste mês de setembro. De certa maneira, foi nosso presente de aniversário à matriarca, cumprindo uma antiga promessa de levá-la outra vez ao litoral. Nada comparável a um banho de mar. Parece que todo aquele mundão de água salgada e azul, sem falar da brisa que acaricia o corpo, lava de vez as impurezas da gente. Ali, nas praias de Luís Correia, não vi ninguém triste nem deprimido. Ao contrário, imperava nas pessoas, sobretudo em dona Raimunda, apenas o sentimento de alegria. De todas, sem dúvida, as crianças eram as mais felizes, dado a estreita relação que mantêm com o mar, abraço afetuoso trocado entre velhos amigos.

Durante três inesquecíveis dias, pudemos matar saudade dos encantos do nosso litoral, a começar pelo Coqueiro, praia belíssima e onde comemos peixes deliciosos no Restaurante Dona Maria, tendo como sobremesa cocadas daquelas de nos tirar o fôlego, de tão gostosas. Em Macapá, o prazer foi deitar numa rede e descansar a vista diante de tanta beleza, reafirmando em nós a convicção de que Deus não só é piauiense como tem moradia naquelas praias. À tardinha, de volta ao Hotel Cívico, demos um pulo na sorveteria Araújo a fim de provar de uma variedade incrível de sabores: cajá, bacuri, castanha, morango, açaí, tapioca e coco, cada um mais apetitoso que o outro. Sendo o de abacate, de longe, o meu preferido. Programa sem o qual, costumo dizer, a viagem fica incompleta.

Misto de prazer e conhecimento foi nossa viagem ao Delta do Parnaíba, desde o nome do barco (MANDU LADINO) até o didatismo do guia turístico, explicando tudo nos mínimos detalhes. Passando pelas Ilhas Canárias, onde na volta almoçamos, ele falou dos “homens-peixes” ou “pé-de-pato”, como ficaram conhecidos os índios Tremembés. Nos manguezais, além de informados da retirada diária de 2.500 cordas de caranguejos, exportadas para Fortaleza, fomos apresentados a um deles pelo barqueiro,  que recebeu merecidos aplausos. Aquele cenário paradisíaco despertou em mim, mesmo não sendo cineasta, uma vontade enorme de produzir um filme de aventura nos moldes de 007, com muitas perseguições arriscadas e mulheres bonitas.

Em Atalaia, praia onde começavam e terminavam nossos dias, o barato era entrar no mar e banhar até se fartar, de tão mansas e convidativas suas águas. Depois, uma boa caminhada pela areia, exercitando o corpo e respirando o ar puríssimo da brisa. Dona Raimunda parecia uma criança de tão feliz, banhando sem parar e esquecida do horário de almoço, que fizemos na Barraca Carlitus, saboreando uma deliciosa peixada amarela. Relembrando os bons momentos de 2016, mamãe foi logo nos avisando antecipadamente que diante do calor de Teresina, cada dia mais insuportável, quer passar o Réveillon deste ano em Luís Correia. Fora esse argumento, o que pesa mesmo, não tenho dúvida, é a sua grande paixão pelo mar: “Quero ser feliz/ Nas ondas do mar/ Quero esquecer tudo/ Quero descansar”, como diria o inesquecível Manuel Bandeira. Cumpramos sua vontade, então.

Conto é faísca

 

Dentre as facetas do gênero narrativo, que são muitas e variadas, tenho uma predileção pelo conto. Texto centrado na linguagem e, só depois, no enredo, sob o risco de descambar para o simples causo. De preferência, com apenas um núcleo temático e poucos personagens vivenciando a trama. História que termina mal começa, cujo objetivo nunca é amarrar as coisas direitinho, de ponta a ponta, mas deixar em aberto a fim de proporcionar ao leitor a indescritível viagem pelas entrelinhas. Embora assuma tamanhos distintos, prefiro os curtinhos, dentro da filosofia do Velho Graça: “escrever é a arte de podar”. Abaixo seguem, para deleite do leitor, contos extraídos de Linguagem dos sentidos, meu livro de estreia lançado em 1991.

 

CERCA DE COBIÇA

Ele gostava muito de se gabar pelo fato de ser o maior proprietário de terras da região. Eram tantas afinal, que a vista perdia-se na amplidão dos hectares, sendo necessário o auxílio de avião para percorrer tudo aquilo. Bastava ouvir falar que havia camponês apertado, tratava de mandar alguém levar-lhe uma navalha. Outras vezes, apoderava-se das terras devolutas do Estado, sob o silêncio cúmplice das autoridades. Tão logo fechava o negócio, cercava tudo de arame farpado, cobiça e mesquinhez. Quando morreu, precisou apenas de alguns palmos de chão. Nada mais.

 

QUINZE ANOS SOBRE A MESA

Para ele, a presença de uma pessoa tão importante, como o senhor Manfredi, em sua casa, era motivo de orgulho e grande satisfação. Afinal, tratava-se de um empresário bem sucedido na cidade e, é claro, um ótimo partido para qualquer família. Querendo agradar o ilustre visitante, serviu-lhe uma dose de bom uísque escocês. Depois, mandou pôr o jantar, preparado especialmente para a ocasião. E, por último, ofereceu a filha de quinze anos como sobremesa.

 

CICATRIZES DA BELEZA

Tenho uma filha com cicatrizes horríveis no rosto. A navalha cortou fundo sua tez morena. Ela explicou que fez isso porque os homens só viam nela apenas a beleza física, ignorando sua beleza interior, mais importante segundo sua opinião. Mas agora, quando homem nenhum lhe dirige sequer um olhar, ela fica triste, num choro extremamente penoso. Eu, como pai, estou com as mãos completamente atadas, pois não sei como proceder para acalmar o sofrimento de minha filha. Afinal, o que se faz quando se tem uma filha com extraordinária beleza interior e nenhum homem é capaz de perceber isso?

 

TESÃO NA GELADEIRA

Ao chegar em casa, depois de um dia de cão, não encontrou, como de costume, a mesa posta, o banho morno, as sandálias no lugar e o “oi” correspondido. Apenas um bilhete seco, sobre a cama, vazado em tom de amargura e adeus. “Epitácio, parto como cheguei, com a roupa do corpo. Você não queria uma mulher, e sim uma xoxota, que te deixo embrulhada na geladeira”.

 

GESTO INÚTIL

O homem passou a vida inteira tentando convencer as pessoas da grandeza de seus gestos e da altivez de seu espírito. Como demorava a conseguir isso, foi tornando-se calado e de expressão triste. No final, frustradas todas as tentativas, recorreu ao suicídio, como último recado aos amigos e desafetos. O gesto tresloucado, porém, não foi capaz de sensibilizar ninguém, deixando apenas dúvidas e perplexidades em todos. Mas agora é tarde, o homem já não pode tentar nada mais convincente.

 

MÚTUO SILÊNCIO

Um relacionamento marcado pelo silêncio, mesmo quando saíam para passear ou quando recebiam visitas em casa. Não aquele silêncio enunciador de coisas e de sentimentos, mas que causa mal-estar e constrangimento, como se todas as palavras já tivessem sido ditas. Resolveram, em comum acordo, trocar a comodidade do lar pelos sobressaltos do inesperado.

Seleta erótica

Em 2008 lançávamos, eu e Feliciano Bezerra, Estas flores de lascivo arabesco, antologia erótica reunindo dez poetas piauienses, cada um entrando com quatro textos bem sacanas, no bom sentido do termo. Um livreto com temática inédita na literatura local, daí a repercussão na época e a importância histórica que passou a ter a partir de então, hoje considerado cult por muita gente. Com projeto gráfico modesto, assinado pelo Master P (Júnior Medeiros), e capa ilustrada pelo talento de Evaldo Oliveira, a obra teve uma tiragem pequeníssima, coisa de 500 exemplares, tendo esgotado rapidamente. De um verso de Carlos Drummond, nosso poeta maior, nasceu o sugestivo título do livro, composto de 75 páginas curtas. Com estilos e abordagem distinta, eis aqui os autores envolvidos nesse bacanal lítero-sexual: Adriano Lobão, Chico Castro, Durvalino Couto, Élio Ferreira, Emerson Araújo, Keula Araújo, Laerte Magalhães, Marleide Lins, Nílson Ferreira e Salgado Maranhão.

Na apresentação do livrinho, o professor Feliciano Bezerra (Fifi) dizia que “em Estas flores de lascivo arabesco, as dicções encontradas, os cânticos de prazer, o libidinoso léxico, dão mostras da agudeza de construção na obra desses dez poetas apresentados. Não há necessidade aqui de auferirmos créditos à falsa dissociação que certa recepção preconceituosa faz entre erotismo e pornografia. O que importa nesta seleta poética é o uso do erotismo em forma de linguagem, e não pudores moralistas ou sexualidades culposas. A proposta é de um erotismo despojado, como, por exemplo, Durvalino Couto apresenta no soneto Bocage: Fodo o cuzinho logo após o talho./E se no escuro a buça inda revisto,/Mais que remonta o peso do caralho. Ou como a poeta Marleide Lins transforma o prazeroso felatio no elegante poema: Falo/ versus/ língua// Pinga orvalho/ e orgasmo/ finda.”

Enquanto eu, na abertura, enfatizava que “Por acharmos que a faceta erótica (ou pornográfica?) é tão importante como as demais, desde que os poemas sejam bem construídos do ponto de vista da linguagem e da sensibilidade do escritor, resolvemos juntar, nesta modesta antologia, dez de nossas mais talentosas vozes poéticas e contemporâneas. Todas pertencentes a uma geração de cabeça mais arejada e que não sente vergonha de expressar suas vivências e fantasias sexuais. Oxalá que permaneçam assim. E que você, caro leitor, ao invés de ficar ruborizado, sinta o bendito prazer de degustar cada uma dessas 48 apetitosas maçãs, cujo sabor afrodisíaco somente os desprovidos de tabus e moralismos são capazes de experimentar e, em seguida, gozar desvairadamente. Vamos, portanto, nos deliciar com Estas flores de lascivo arabesco.”

 

Dou-te meu cravo, Safo
se de ti me deres o vaso
onde tua forma lúcida
esplêndida pisa os astros
na pele de minha túnica
em ânsia e canto lasso
que na ponta de meu mastro
tua nua pele úmida
tome posse de terra tua

                         (Adriano Lobão)

 

Lavada

de ontem à noite
não ficou nada

só esse meu riso
escárnio

saciada e vitoriosa

         (Keula Araújo)

 

Língua solta

Se pela língua falada
pouco ou nada
digo a você,

deixe que
a minha língua carnuda,
úmida e muda,
lhe fale de prazer.

          (Laerte Magalhães)

 

Natureza viva

Nossos corpos nus
abandonados
na grama.

Um beijo antes,
um toque de após,

Até o girassol
ficar de quatro
sobre nós.

       (Chico Castro)

 

Triunfante

As pernas, em cruz,
e o frêmito animal vão servindo de
amém.

Novamente,
o invasor – exaurido –
sucumbe após o embate.
e a paz toma conta de nós…

                 (Nílson Ferreira)

 

Fetiche

Tal como os dendritos surgem
da pedra, nessa penugem

que o sol doura em tuas coxas
há um quê de pluma e rochas

e muito mais que isso, apelos
já que nuvens de pentelhos

desabrocham. São preâmbulos
ao vértice do triângulo.

sobra um halo de fetiche
que da selva de azeviche

flui – um pouco mais em cima –
onde jorra o mel da mina.

(Salgado Maranhão)

 

(I)

Língua gêmea
onda que se aveluda
invade a fremir a senda

trazendo o que extrai da gruta
sente o sêmen da concavidade fêmea
e serve-se no convexo da fruta

               (Marleide Lins)

 

Poesia, poesia

Poesia, poesia
às vezes me acordas
de madrugada,
e te deitas ao meu lado,
na minha cama,
completamente nua,
serpenteando no meu corpo
como se tu fosses uma fêmea no cio,
exalando o cheiro alucinante
da tua vagina.

Poesia, poesia

cavalgas como uma amazonas,
a galope
sobre meus pelos, a galope
sobre minhas ilhargas.
penetro os lábios úmidos
da tua vagina
e tua beatificas meu pênis rijo
com palavras e gritos abafados
na hora do gol.

Adormeces, o rosto sobre meu peito,
meu coração amanhece o dia,
canto uma poesia de passarinho.

                       (Élio Ferreira)

 

Alegorias e maçãs II

A delícia das mãos sobre o caule da tarde
Mexe com todos os suores
Num vai e vem de boca
Mel na tarde derramado em seios
Neste uivo de loba
Orquestração de gritinhos e dores.

                  (Emerson Araújo)

 

Cocaína

é bem verdade que a cocaína
inibe os homens e excita as mulheres
então cheira mais essa
e vem pra cama comigo se quiseres
vamos nessa
antes que meu pau vire halteres
é melhor amar uma linda menina
dar outro ofício pras narinas
que ficar esquentando essas colheres

               (Durvalino Couto)