Wellington Soares

Coisas e outras

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bora pra balada?

depois de passar por oeiras, floriano e parnaíba, no primeiro semestre, a balada literária chega a Teresina finalmente, em sua terceira edição, trazendo nomes de peso da cultura nacional e estrangeira, numa programação de tirar o fôlego dos amantes da arte em geral, sobretudo, da literatura e música, ainda mais ao homenagear dois nordestinos arretados de bons, ambos ligados à educação e sensíveis aos problemas sociais: paulo freire, educador pernambucano consagrado, dentro e fora do país, pela sua pedagogia do oprimido, escolhido patrono da educação brasileira – “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa”, e elio ferreira, professor da melhor qualidade, do curso de letras da uespi, além de voz poética dos excluídos, notadamente da américa negra, ao soltar o verbo em estrofes versos contundentes, repletos de indignação e verdade, pelas ruas praças auditórios aqui e alhures – “poema germinando no monturo/ raízes de fedegoso incorporam martelo/ tens mãos para regar esta planta?/ reclamação dos vermes a remexer as fezes/ numa bacia de retalhos de flandre/ carcomida pela ferrugem/ ganho o declive do saguão/ o ladrilho solto troc truc/ o cheiro de mijo/ me condensam para o mundo/ por ser ou não ser a razão de tudo/ a vida se enfibra/ na coluna vertebral dos homens/ pulsa arrebento”, como não bastasse, acredite, ainda teremos nesta terça-feira 27, abertura do evento, no theatro 4 de setembro, às 19h30, uma conversa pra lá de instigante com valter hugo mãe, escritor artista plástico poeta  e editor português que tem, depois de quase 30 livros publicados – o remorso de Baltazar serapião, o paraíso são os outros, a desumanização, contos de cães e maus lobos e o filho de mil homens, entre outros -, tirado o sono de milhões de leitores mundo afora, plantando na cabecinha de cada um a ideia que literatura, gostemos ou não, serve pra descortinar a vida e nossas inquietações existenciais, numa escrita singularíssima que causa estranheza no início, a exemplo de empregar todas as palavras em minúscula, segundo ele pra democratizá-las no texto, nenhuma sendo melhor que a outra, como faz este modesto cronista agora, mas que depois, assunte bem, deixa a gente maravilhado com tudo, de boca aberta mesmo, apaixonado de tal maneira a ficar de joelho diante do livro, e dele também, do valter hugo mãe, portanto, estupefato com tamanha inventividade, não só nos aspectos formais mas, benza deus, por trazer à tona assuntos e tiradas filosóficas que nunca, nunquinha mesmo, nossa vã filosofia poderia imaginar, através de metáforas inquietantes, tipo ser velho é estar sempre à espreita de não existir, sobre a inevitável da velhice, tema presente em a máquina de fazer espanhóis: “o nosso inimigo é o corpo. ser velho é viver contra o corpo até chegarmos a um momento em que a luz do sol nos parece uma dádiva inestimável e vale a pena viver apenas para fazermos a fotossíntese das tardes”, mas a balada traz ainda, pra espantar a escuridão o ódio a ameaça fascista destes dias, a cantora maranhense Rita Ribeiro, a da tecnomacumaba e pérolas aos povos, dois cds lindíssimos, que desde 2012, num transe epifânico, adotou o nome Rita Benneditto, em homenagem ao sobrenome do pai (fausto benedito ribeiro) e da cidade natal (são benedito do rio preto), a fim de apresentar suburbano coração, seu novo trabalho artístico, também no theatro 4 de setembro, aos muitos fãs que têm por essas bandas de nossa outrora verdecap e municípios vizinhos, soltando a bela voz em meninos da precisão, música que toca funda a alma da gente –  “pelas marginais/ passarão meninos/ guardando o país/ por quem batem os sinos/ se pelas catedrais/ os filhos da precisão/ pedirão mais por outro destino/ do que por sair da lama/ com pose de dama em carnavais/ esquecerão as dores/ lembrarão de deus/ num porvir que aflore dor/ pelas marginais…”, mas caso ache pouco, pra dois dias de evento, hoje e amanhã, outros nomes despontam na vasta e diversificada programação:  marcelino freire, idealizador e organizador do evento em são paulo, um agitado cultural e contista dos bons; nelson maca, curador da balada em salvador e poeta da gramática da ira; sérgio vaz, a destemida voz das periferias e ruas paulistanas, quiçá brasileiras, com seus poemas contundentes e líricos: “sorrir enquanto luta é uma ótima estratégia para/ confundir os inimigos” ou, então, “pra quem tem medo de amar/ um sussurro é tempestade”; e, por fim, ed marte, arte-educador mineiro que louva, como ninguém, a poética da diversidade, deixando claro que toda forma de amor, sexual ou não, vale a pena.  bora pra balada?

O amor nos tempos do cólera

 

Numa dessas madrugadas em que o sono custa a chegar, bisbilhotando as opções nos canais fechados de televisão, não é que me deparei com um filme lindíssimo: O amor nos tempos do cólera, inspirado no romance homônimo de Gabriel García Márquez, o genial escritor colombiano e prêmio Nobel de Literatura em 1982. A narrativa descreve a comovente paixão de Florentino Ariza pela bela jovem Fermina Daza, numa pequena cidade do Caribe, finalzinho do século XIX. Depois de fisgado pelo drama sentimental, protagonizado na tela por Javier Bardem e Giovanna Mezzogiorno, agora já era eu que não queria mais que o sono aparecesse. Quem resiste, enfim, a uma bem construída história de amor? Para quem duvida, basta lembrar Romeu e Julieta, de William Shakespeare, e Tristão e Isolda, lenda que remonta ao período medieval, para ficarmos apenas em dois exemplos.

Ele a conheceu quando foi entregar, como carteiro na época, um telegrama ao pai dela, num ligeiro relance na saída, ao ver uma menina de 13 anos ensinando a tia a ler, “e esse olhar casual foi a origem de um cataclismo de amor que meio século depois não tinha terminado ainda”. A partir desse instante, Florentino não teve mais sossego na alma, tampouco no coração, observando-a diariamente passar, sentado no banco da praça, em direção ao Colégio da Apresentação da Santíssima Virgem, “onde as senhoritas da sociedade aprendiam há dois séculos a arte e o ofício de serem esposas diligentes e submissas.” Flechado no peito por Cupido, tratou logo o coitado de escrever uma carta de 70 páginas à musa inspiradora, “a bela adolescente de olhos amendoados”, na qual prometia a Fermina “sua fidelidade a toda prova e seu amor para sempre.”

Ao descobrir o envolvimento da filha com o carteiro, pois dificilmente uma garota resiste por muito tempo a um homem apaixonado, o velho a enviou para uma cidadezinha do interior, na vã esperança de protegê-la daquele pobretão. Acontece que mesmo distantes, eles continuam a se comunicar através de cartas, após Florentino descobrir o paradeiro da amada, cuja descoberta leva o pai a trazê-la de volta. Algo misterioso, entretanto, ocorre no reencontro dos dois: Fermina descobre, sabe-se lá por qual razão, que não o ama mais, deixando-o perplexo e sem entender absolutamente nada. Para embaralhar ainda mais as coisa, ela se casa com Juvenal Urbino, médico recém-chegado de Paris e que, aos 28 anos, era o “mais cobiçado dos solteiros” da cidade. Dispensável dizer o quanto Florentino ficou arrasado com isso, o chão desmoronando sob o peso de enorme sofrimento, ao tempo em “que estava resolvido a esperar sem pressas nem arrebatamentos, ainda que fosse até o fim dos séculos.”

A espera só teve fim, aliás, com a morte de Juvenal, depois de longos e sofridos 53 anos, sete meses e onze dias. Mal o cadáver havia sido enterrado, Florentino correu à casa de sua grande paixão a fim de reafirmar os sentimentos que continuava a nutrir por ela: “Fermina – disse – esperei esta ocasião durante mais de meio século, para lhe repetir uma vez mais o juramento de minha fidelidade eterna e meu amor para sempre.” Indignada com tamanha afronta, ela o xingou dos piores nomes e pediu que ele se retirasse,  não retornando mais à sua residência. As cartas voltaram a aproximá-los outra vez, possibilitando que Florentino a visitasse todo santo dia e, mais adiante, a levasse em “lua de mel” num de seus navios. Bonita a resposta dada no final, ao ser indagado por ela sobre quantos dias ainda eles ficariam nesse ir e vir de navio, ele ter se saído com essa incrível afirmativa: “Toda a vida”.

Amor pra toda vida

 

De Teresina gosto, praticamente, de tudo. Até mesmo, se duvidarem, dos defeitos. Porque amor é sentimento estranho e inexplicável. Ou é por inteiro, com doces e salgados, ou não interessa pela metade. Ou no dizer de Drummond, nosso poeta maior, “eu te amo porque te amo/ Amor é estado de graça/ e com amor não se paga.” Tenho pra mim que essa relação, mal resolvida e intensa, é o meu destino: amar sem conta, inclusive de forma doentia, essa cidade que me pariu e embala meus sonhos ainda hoje. Seu passado e presente que se confundem com a minha própria existência, há 60 anos, por meio de uma memória fragmentada e envolvente, verdadeiro entrelaçar de emoções e lembranças que perduram todo esse tempo. Na Clodoaldo Freitas, os brinquedos do Avião, nosso Papai Noel, recebidos com tanta alegria, o doido mais legal que conheci. O prazer de ser aplaudido, na inauguração do Karnak, ao cantar num coral sob a batuta do maestro Reginaldo Carvalho. O momento inesquecível das Diretas Já, no bairro do Marquês, com Ulisses, Brizola e Lula desfraldando a bandeira da democracia. O desespero de milhares de torcedores, ante a falsa notícia do desabamento de arquibancadas, na inauguração do estádio Albertão. A incrível memória do “Cavaleiro da Esperança”, aos 80 e tantos anos, discorrendo sobre a passagem da Coluna Prestes no Piauí, em palestra realizada na Ufpi, com auditório entupido de gente. A sensação inesquecível, nas Casas Pernambucanas, de andar numa escada rolante, na Praça Rio Branco. Os banhos memoráveis, em manhãs ensolaradas, nas coroas do Parnaíba, nosso “Velho Monge”, tomando uns tragos de cachaça e saboreando umas piabinhas fritas. As peladas no campinho do Bariri, com o mestre Pato Preto de olhão aberto em novos craques pro futebol piauiense. O ginásio Verdão tomado de gente, em show inesquecível do RPM, com Paulo Ricardo soltando a voz em “Loira gelada” e noutros sucessos da banda. A perda da virgindade na Paissandu, rezando para não pegar uma doença da vida, revoltado por não acontecer a iniciação sexual com a namorada, proibida de transar antes do casamento. O gostoso pão de queijo do Seu Cornélio, nos intervalos ou final das aulas, em conversa animada com os amigos. As missas na Vila Operária, levado por dona Raimunda, participando em troca de um picolé Amazonas. O surgimento dos shoppings na zona Leste, Riverside e Teresina, com nossa capital adquirindo outros ares, certo aspecto de metrópole. As manifestações estudantis na Praça Pedro II, entoando a canção de Vandré, contra a ditadura militar: “Pelos campos há fome/ Em grandes plantações/ Pelas ruas marchando/ Indecisos cordões/ Ainda fazem da flor/ Seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores/ Vencendo o canhão”. O fascínio pelos circos, sobretudo palhaço e malabaristas, instalados na Praça da Bandeira, centro da cidade.  A faixa protestando contra a fome do povo, em ato de coragem e rebeldia, diante do sensível olhar do Papa João Paulo II, imagem que correu o mundo apesar da prisão de jovens idealistas. As boas gargalhadas dadas em função, nos cines Rex e Royal, das engraçadas traquinagens do Carlitos, o gênio do cinema mudo. O suco delicioso do Abrahão, na zona Norte, acalmando nossa fome diária e outras angústias. A feirinha da Sulica e do Zé Elias, na Praça Saraiva, onde encontrávamos a rapaziada da cultura e ouvíamos música de qualidade, a exemplo dos grupos Candeia (Aurélio Melo e trupe) e Varanda (Naeno e trupe). Os namoricos dentro de carro, em avenidas e ruas, antes dos motéis e da atual violência, o “amor sendo um embaraço de pernas,/ uma união de barrigas,/ um breve tremor de artérias”, segundo Gregório de Matos, “uma confusão de bocas,/ uma batalha de veias,/ um rebuliço de ancas,/ quem diz outra coisa é besta”, sentencia o poeta baiano do século XVII. Para recarregar as baterias, depois das baladas noturnas, nada melhor que um café reforçado no mercado da Piçarra – caldo de carne, beiju, cuscuz, carne assada, ovos fritos, mão de vaca, panelada e bolo frito. O anual Salão do Livro do Piauí (Salipi), idealizado por quatro professores, aproximando os teresinenses do universo mágico das letras, incluindo novas gerações de leitores. O espetáculo maravilhoso do coral de mil vozes, protagonizado por crianças humildes, nas escadarias da igreja de São Benedito. Enfim, como diria o poeta itabirano, o meu amor por Teresina faísca na medula, agora em seus 167 anos, e para sempre, infinitamente, enquanto respirar. E o melhor de tudo, dado de graça e semeado no vento. Daí viver repetindo, feito papagaio, os versos antológicos da dupla Aurélio Melo e Zé Rodrigues: “Apenas olho minha Teresina/ Como quem delira na beira do cais/ Ai, troca, quem troca, destroca/ Minha Teresina não troco jamais”.

Uma mulher admirável

 

Como flashes, as cenas vêm à memória num supetão, de repente, não mais que de repente, como diria o poeta Vinicius de Moraes. Data: 2009. Evento: Salão do Livro do Piauí. Edição: 7ª. Local: Complexo Cultural Praça Pedro II. Ano: Alvina Gameiro, escritora oeirense nascida em 1917. Objetivo: resgatá-la do esquecimento literário e afetivo. Convidados: Argemiro e Gutemberg Gameiro, filhos da homenageada que abriram a vasta programação do Salipi. Numa das poltronas do Theatro 4 de Setembro, lotado de professores e alunos, ouvi com atenção suas falas, não perdendo nenhum detalhe. Saudade e amor foram a tônica das exposições, bom destacar, a ponto de emocionar os presentes, inclusive o autor dessas mal traçadas linhas. Que ela foi uma artista multifacetada, tendo enveredado, quebrando tabus, pelos caminhos da escrita (poesia e ficção) e das artes plásticas (pintura), atividades que a tornaram uma mulher à frente de seu tempo; Que abraçou também o magistério, trabalhando como professora em instituições do Piauí, Ceará e Maranhão; Que era filha de Vitória Fernandes e Antônio Pedro, o pai funileiro português de muito prestígio na época, morador de Teresina por 30 anos e amigo de intelectuais (Higino Cunha, Martins Napoleão, Esmaragdo de Freitas e Celso Pinheiro); Que casou com o engenheiro Argemiro Gameiro, nascendo da relação três filhos, eles dois e mais a Elizabeth; Que publicou alguns livros, entre os quais Chico Vaqueiro no Meu Piauí (1971), Curral de Serras (1980) e O Vale das Açucenas (1963); Que embora tenha morado fora – Fortaleza, São Luís, Los Angeles e Brasília –, a mãe nunca esqueceu sua terra natal, sendo o Piauí não apenas referência estética, mas, segundo a própria Alvina, “o doce lenitivo para remir saudades e conservar-me viva e conformada na distância”; Que ela pesquisou muito pra construir sua obra literária, sobretudo, o repertório linguístico das pessoas comuns do sertão piauiense a fim de dar verossimilhança às personagens criadas; Que Alvina Gameiro teve a obra reconhecida em vida, daí ter sido eleita membro da Academia Piauiense de Letras (APL), Cadeira 14, a partir dali se incorporando à Casa de Lucídio Freitas; Que ela foi uma mulher sensível, feminista, inteligente, mãe dedicada, esposa amorosa, amiga compreensível e artista talentosa; Que a mãe, enfim, a dona Alvina Fernandes Gameiro, encantou-se aos 82 anos, em Brasília, no ano de 1999; Que antes de encerrarem, nada mais oportuno que ler um trecho de Curral de Serras, tomando o livro um deles e mandando ver: “Num átimo, reentei o cabra e em antes dele brandir o punhal, eu prendia o pulso do braço, adonde os dedos apertavam a arma; atravancava minha outra mão por debaixo da queixada dele, focando quanto podia um sojigado p’ra trás; passei rasteira depressa e estalei o homem no chão. Que já tinha deferido chave de braço e jogado o punhal na distância. Obrei no bruto de zás-trás, em tanto gasto de força, que parti o braço do homem. Ele, de papo p’r’o ar, me passou tranca de rins pela frente, querendo, desesperado, segurar meu ombro com a mão esquerda, com tenção d’alcançar minha garganta, mas finquei cotovelada no músculo da coxa do valentão e soquei o homem de costas umas três vezes na terra”, levando o outro também, pra reafirmar o conhecimento da obra da mãe, a recitar alguns versos de Chico Vaqueiro do Meu Piauí, obra na qual celebra o homem simples e as belezas naturais de sua terra natal: “O esplendor do luar, que mais e mais fulgura,/ de prata banha inteira a máscula figura,/ tão imóvel que até nos lembra uma escultura/ de guerreiro lendário ou místico profeta…/ É que o Vaqueiro escuta em meio à noite quieta,/ sua alma que se dá a cantares de poeta…”, e mais não precisaram dizer, Argemiro e Gutemberg, pois estávamos mais que satisfeitos dos escritos e feitos de Alvina Gameiro ao longo da vida bem vivida e a serviço do magistério e da arte, merecendo de todos nós aplausos e eterna admiração, ou, parafraseando Torquato Neto, nosso “Anjo torto”, louvando quem bem merece – lembremos sempre dessa sábia lição –, deixamos o ruim de lado. Não é mesmo?

Cinema nacional II

Com o governo federal ao lado, dando todo apoio, o cinema nacional já enfrenta muitas dificuldades, imagina tendo um governo que ameaça cortar verbas e censurar os filmes a serem produzidos. Sem falar de acabar também com a Ancine, a Agência Nacional do Cinema, órgão responsável em fomentar, regular e fiscalizar a indústria cinematográfica e videofonográfica nacional. Em outros países, ao contrário do nosso, os presidentes não só apoiam como veem o cinema na difusão de seus valores culturais e econômicos. Os Estados Unidos são, desde longas datas, bons exemplos dessa estratégia política. Infelizmente, nossas autoridades no Brasil, além de não terem essa visão, ignoram o cinema nacional, preferindo, tomados ainda pelo complexo de vira-lata, os filmes de fora, sobretudo, os hollywoodianos.

Acredite ou não, gosto bastante dos filmes brasileiros, curtindo-os sempre que possível, notadamente nos finais de semana e feriados. Da chamada “retomada” até os dias presentes, o salto de qualidade impressiona nos aspectos de roteiro, fotografia, imagem, elenco e som. Daí não compreender a implicância das pessoas em relação ao nosso cinema, quase sempre taxado de pobre e rotulado de ruim. Opinião emitida, quase sempre, sem conhecimento de causa, sem terem visto sequer produções celebradas dentro e fora do país, tais como O palhaçoFaroeste cabocloEstômagoO signo da cidadeBatismo de sangueLavoura arcaicaNão por acasoBesouro, O filme da minha vida e O animal cordial.

Fora esses sugiro também mais três, todos de tirar o fôlego, daqueles que impactam a gente do começo ao fim da película. Comecemos por Entre nós, um suspense dirigido por Paulo Morelli (e seu filho, Pedro Morelli) centrado na história de alguns jovens que voltam a se encontrar, na mesma casa de campo, a fim de lerem as cartas enterradas há dez anos. Além da crueldade do tempo, eles agora têm que conviver com a morte de um dos membros da trupe e, mais doloroso ainda, encararem segredos e verdades ditos numa época marcada pela ingenuidade de sentimentos. A trama gira em torno de temas importantes dessa faixa etária: amor, sexo, traição, amizade e fracasso. Tudo vivenciado de forma intensa e franca, sem medo de ferir suscetibilidades. Quem sabe assim, mesmo tendo que suportar o mundo nos ombros, a galera aprenda que sonhos podem virar tragédias pessoais. Lançado em 2014, o filme ganhou vários prêmios. Merecem destaque a fotografia, a trilha sonora e o elenco do filme, especialmente Caio Blat (Felipe) e Martha Nowill (Drica).

O segundo é O lobo atrás da porta, uma fábula de horror centrada nos absurdos de um triângulo amoroso, que tem início com o desaparecimento de uma criança. Quando os pais vão à delegacia dar queixa, a verdade não custa a aparecer: crime passional. A desbocada Rita (Leandra Leal) havia sequestrado a criança para chantagear o impulsivo Bernardo (Milhem Cortaz), casado com Sylvia, mulher serena e de gestos tranquilos. Tomados em separado, os depoimentos do trio registram uma teia de mentiras, amor, vingança e ciúmes. A partir das versões e álibis apresentados, flashbacks ilustram pontos de vista distintos, mostrando versões contraditórias e a fragilidade de cada um deles. Bom é ver a metamorfose dos três ao longo da história, de personagens inofensivas a figuras diabólicas, irreconhecíveis ao revelarem do que são capazes para alcançar seus objetivos. O filme recebeu prêmios importantíssimos nos festivais de Toronto (Seleção Oficial), San Sebastian (Melhor Filme), Havana (Melhor Opera Prima) e Rio (Melhor Filme e Melhor Atriz).

Fecho a lista com Feliz Natal, filme dirigido por Selton Mello abordando o drama  da solidão e dos desencontros pessoais. As feridas estouram quando Caio (Leonardo Medeiros) resolve passar o Natal com a família, depois de anos ausente e sem dar notícias. A recepção não é das melhores. Além do mal-estar causado, ele é recebido friamente por todos, exceto por Mércia (Darlene Glória), a mãe que sempre o amou e metida com bebidas e psicotrópicos. Do pai (Lúcio Mauro), que vive atualmente com mulher de caráter duvidoso, não recebe um cumprimento sequer. Como não bastasse, seu irmão Theo (Paulo Guarnieri) sofre com o casamento em crise, apesar de ter uma amante. No fundo, a presença de Caio altera não somente a vida dos outros, mas a sua própria na eterna busca de identidade. Filme denso e perturbador, daqueles que nos levam a refletir sobre um monte de coisas, sobretudo, a respeito dos paradoxos da vida.