De Teresina gosto, praticamente, de tudo. Até mesmo, se duvidarem, dos defeitos. Porque amor é sentimento estranho e inexplicável. Ou é por inteiro, com doces e salgados, ou não interessa pela metade. Ou no dizer de Drummond, nosso poeta maior, “eu te amo porque te amo/ Amor é estado de graça/ e com amor não se paga.” Tenho pra mim que essa relação, mal resolvida e intensa, é o meu destino: amar sem conta, inclusive de forma doentia, essa cidade que me pariu e embala meus sonhos ainda hoje. Seu passado e presente que se confundem com a minha própria existência, há 60 anos, por meio de uma memória fragmentada e envolvente, verdadeiro entrelaçar de emoções e lembranças que perduram todo esse tempo. Na Clodoaldo Freitas, os brinquedos do Avião, nosso Papai Noel, recebidos com tanta alegria, o doido mais legal que conheci. O prazer de ser aplaudido, na inauguração do Karnak, ao cantar num coral sob a batuta do maestro Reginaldo Carvalho. O momento inesquecível das Diretas Já, no bairro do Marquês, com Ulisses, Brizola e Lula desfraldando a bandeira da democracia. O desespero de milhares de torcedores, ante a falsa notícia do desabamento de arquibancadas, na inauguração do estádio Albertão. A incrível memória do “Cavaleiro da Esperança”, aos 80 e tantos anos, discorrendo sobre a passagem da Coluna Prestes no Piauí, em palestra realizada na Ufpi, com auditório entupido de gente. A sensação inesquecível, nas Casas Pernambucanas, de andar numa escada rolante, na Praça Rio Branco. Os banhos memoráveis, em manhãs ensolaradas, nas coroas do Parnaíba, nosso “Velho Monge”, tomando uns tragos de cachaça e saboreando umas piabinhas fritas. As peladas no campinho do Bariri, com o mestre Pato Preto de olhão aberto em novos craques pro futebol piauiense. O ginásio Verdão tomado de gente, em show inesquecível do RPM, com Paulo Ricardo soltando a voz em “Loira gelada” e noutros sucessos da banda. A perda da virgindade na Paissandu, rezando para não pegar uma doença da vida, revoltado por não acontecer a iniciação sexual com a namorada, proibida de transar antes do casamento. O gostoso pão de queijo do Seu Cornélio, nos intervalos ou final das aulas, em conversa animada com os amigos. As missas na Vila Operária, levado por dona Raimunda, participando em troca de um picolé Amazonas. O surgimento dos shoppings na zona Leste, Riverside e Teresina, com nossa capital adquirindo outros ares, certo aspecto de metrópole. As manifestações estudantis na Praça Pedro II, entoando a canção de Vandré, contra a ditadura militar: “Pelos campos há fome/ Em grandes plantações/ Pelas ruas marchando/ Indecisos cordões/ Ainda fazem da flor/ Seu mais forte refrão/ E acreditam nas flores/ Vencendo o canhão”. O fascínio pelos circos, sobretudo palhaço e malabaristas, instalados na Praça da Bandeira, centro da cidade.  A faixa protestando contra a fome do povo, em ato de coragem e rebeldia, diante do sensível olhar do Papa João Paulo II, imagem que correu o mundo apesar da prisão de jovens idealistas. As boas gargalhadas dadas em função, nos cines Rex e Royal, das engraçadas traquinagens do Carlitos, o gênio do cinema mudo. O suco delicioso do Abrahão, na zona Norte, acalmando nossa fome diária e outras angústias. A feirinha da Sulica e do Zé Elias, na Praça Saraiva, onde encontrávamos a rapaziada da cultura e ouvíamos música de qualidade, a exemplo dos grupos Candeia (Aurélio Melo e trupe) e Varanda (Naeno e trupe). Os namoricos dentro de carro, em avenidas e ruas, antes dos motéis e da atual violência, o “amor sendo um embaraço de pernas,/ uma união de barrigas,/ um breve tremor de artérias”, segundo Gregório de Matos, “uma confusão de bocas,/ uma batalha de veias,/ um rebuliço de ancas,/ quem diz outra coisa é besta”, sentencia o poeta baiano do século XVII. Para recarregar as baterias, depois das baladas noturnas, nada melhor que um café reforçado no mercado da Piçarra – caldo de carne, beiju, cuscuz, carne assada, ovos fritos, mão de vaca, panelada e bolo frito. O anual Salão do Livro do Piauí (Salipi), idealizado por quatro professores, aproximando os teresinenses do universo mágico das letras, incluindo novas gerações de leitores. O espetáculo maravilhoso do coral de mil vozes, protagonizado por crianças humildes, nas escadarias da igreja de São Benedito. Enfim, como diria o poeta itabirano, o meu amor por Teresina faísca na medula, agora em seus 167 anos, e para sempre, infinitamente, enquanto respirar. E o melhor de tudo, dado de graça e semeado no vento. Daí viver repetindo, feito papagaio, os versos antológicos da dupla Aurélio Melo e Zé Rodrigues: “Apenas olho minha Teresina/ Como quem delira na beira do cais/ Ai, troca, quem troca, destroca/ Minha Teresina não troco jamais”.