Eu sou promíscua. Calma, que eu vou explicar. É que eu me apaixono por vários livros ao mesmo tempo. Deve ser falha de caráter, transtorno psiquiátrico ou prato cheio pra psicólogo que adora uma disfunção mental. O fato é que eu não consigo começar uma leitura e terminá-la completamente para começar outra. Quando percebo, estou envolvida em um emaranhado de leituras que disputam minha constante atenção e esperam que eu termine algumas páginas da outra leitura para retomá-las em seguida.
É um jogo de sedução. Você flerta com uma leitura, namora a capa, lê a orelha, folheia duas ou três páginas e já é tomada por um desassossego de querer ler tudo até o final. Acontece que nesse meio tempo, as leituras menos avantajadas intelectualmente, desprovidas de simultânea leveza e profundidade perdem espaço para um livro de poesia que estava na geladeira, esperando um momento de solterice ou iminente traição literária. Ele te fisga em pleno dia de cão, momento que você só precisa percorrer algumas páginas de maneira despreocupada e, subitamente, encontra-se perdidamente apaixonada por aqueles versinhos curtos, porém de uma eloquência arrebatadora.
Fica difícil levar dois relacionamentos ao mesmo tempo. Um romance complexo e detalhista que lhe toma tempo, porém é insubstituível, enquanto uma poesia sedutora mexe com os seus sentidos. No meio desse fogo cruzado, você se sente culpada e quer voltar para a realidade e se pega lendo crônicas de Rubem Braga! Uma compulsão obsessiva incontrolável. Pior que não se contenta com um livro só, quer dois, três, quatro, uma orgia literária: quer todos ao mesmo tempo!
Tem gente que é cegamente fiel. Começa e termina um livro, sofre uma deprê pós-término até se sentir apto a se envolver com novos livros. Coisa de gente que tem olhos para uma leitura só.
Tem gente que não sabe o que quer. Começa um livro, não termina, começa outro, não termina também. Quando vê, não terminou livro nenhum nem deixou uma explicada justificativa. Deve ter largado por aí muitos corações literários partidos, decepcionados e frustrados, que vão demorar a se recompor para se deixar serem lidos novamente. Um sofrimento.
E tem gente que é que nem eu. Às vezes, desiludida ou entediada com determinado envolvimento literário, começa um novo flerte. De vez em quando, eu me apaixono perdidamente, porém não são raras as circunstâncias decepcionantes. Nessa busca por outras perspectivas, procurando preencher esse vazio causado pelas leituras, acaba se formando um enorme abismo provocado por enredos mal-escritos, personagens enfadonhos ou até mesmo a monotonia da rotina de leitura. São ciladas que, às vezes, a gente dá o azar de cair nessa troca do certo pelo duvidoso.
O ruim é que nem sempre você encontra colo nas outras leituras. Mas é coisa de gente que não presta mesmo e adora a aventura de experimentar livros novos. O risco do desengano é grande, mas tem prazeres que compensam os perigos.