Eu estava prestes a sair do trabalho. O relógio marcava 13:34 e eu acessei a TV Senado. Encerrada a votação que se fazia no dia 31 de agosto, ouvi fogos de artifício na região. Da janela, o céu parecia azul, o sol tinindo. Mas quando cruzei a porta externa do prédio foi que eu enxerguei melhor: estava tudo mais cinza.
Foi o dia em que os adolescentes secundaristas tomando sorvete na esquina estavam mais cinzas, foi o dia em que a cor dos carros no trânsito parecia mais cinza, foi o dia em que os trabalhadores fardados da obra estavam mais cinzas, foi o dia em que eu não enxerguei verde ou vermelho no semáforo – estava cinza. Minha visão era de cachorro: estava tudo preto e branco, em tons de cinza.
Passei do cruzamento onde pararia para almoçar, estava tudo tão cinza. O ciclista parecia pedalar devagar, o pedestre caminhava em câmera lenta, os carros passavam a 20 km/h. Era um filme de stop motion. As nuvens estavam cinzas, o céu estava cinza, os pássaros voavam cinzentos.
No meu prédio, os gatos miavam, mas não como de costume. Não eram listrados, não eram amarelinhos, todos miavam mais, e cinzas. As plantas mal se mexiam com o vento, cristalizadas. Não eram verdes nem amareladas, estavam mais secas, estavam cinzas.
E tudo se tornou mais cinza, o que tinha cor ficou pálido, ficou cinza. O que era preto ficou cinza, o que era branco ficou cinza, o que era colorido ficou cinza. Não que tudo antes fosse multicolor e límpido, mas foi o dia em que tudo ficou mais cinza. Ao meu redor, mas também em todos os lugares. No centro e na cidade, em casa e na rua. São muitos tons de cinza, uma cartela inteira de cores cinzentas, tomando conta de tudo.
Era uma quarta-feira de cinzas.
“E no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar”