Ontem eu assisti Montaria. Na estreia, há alguns meses, vários amigos disseram que adoraram. Pensei: “que pena que perdi, deve ser bom mesmo”. Mas ontem eu percebi que não era sobre ser bom ou não, ser bonito ou não, ser bem executado ou não.
Eu conheci o Dackson Mikael há alguns anos. Nós éramos estudantes da Escola Estadual de Dança Lenir Argento. Talentoso, divertido, eu já sentia que ele era uma pessoa intensa. Anos depois, passamos na mesma audição para o Balé da Cidade de Teresina. Espontâneo, eu adorava rir das brincadeiras daquelas tardes. Em seguida, vi surgir a Chandelly Kidman: exuberante, versátil, ativista.
Eu sabia de todas essas qualidades e sabia também que iria encontrá-las em Montaria – elas estavam lá. Mas, o que eu não sabia que veria foi surpreendente. Em meio ao transe daquele ser, eu me peguei chorando, emocionada com o que aquilo alcançou em mim: era empatia.
Revolta, agressividade, vileza, hostilidade, rancor. Eu nunca sequer reparei em qualquer traço dessas características no Dackson – na maior parte do tempo doce – mas de maneira honesta, elas estavam lá, compreensivelmente presentes no corpo de quem sofreu preconceito, na pele de quem se arrisca a acompanhar a Marcha para Jesus montada ou corre o perigo de se machucar em uma de suas performances acrobáticas.
Montaria é corpo animalesco, bicho feroz acuado sofrendo. É questionamento dos padrões estéticos impostos. É descoberta de si. É enfrentamento contra o preconceito. É coragem de se redescobrir e se entregar extremamente. É a dignidade de expressar seu lado mais obscuro, porém com a serenidade de sabê-lo inerente ao ser-humano.
*Montaria foi contemplado no Prêmio Funarte Klauss Vianna de Dança 2014 e teve direção e colaboração de Elielson Pacheco e Adriano Abreu