Cuando el niño y su padre alcanzaron por fin aquellas
cumbres de arena, después de mucho caminar, la mar
estalló ante sus ojos. Y fue tanta la inmensidad de la mar,
y tanto su fulgor, que el niño quedó mudo de hermosura.

Y cuando por fin conseguió hablar, temblando,
tartamudeando, pidió a su padre:
– Ajudame a mirar!

Eduardo Galeano, El libro de los abrazos

 

Diante da citação acima eu deveria calar, respeitosamente. É suficiente e encerra-se em si mesma. Uma experiência, uma narrativa e as generalizações que sua leitura pode suscitar. No entanto, carrego em mim o atrevimento de gostar de escrever. Inspiro-me. E para esse tempo que desliza do azul ao multicor, cito três em três tempos:

1) A “antiexperiência” ou o vazio preenchido por uma fotografia em preto e branco disposta na sala de estar. A aura distante e misteriosa que impunha à filha a necessidade de alcançar sozinha o mar. Dona do seu destino. Sem o afeto protetor e sem as amarras do seu efeito colateral.

2) A experiência de acompanhar de perto, e até com certa inveja, o crescimento de uma relação de proximidade. Do medo do toque nos primeiros contatos à preferência delas nos momentos de atravessar os montes de areia ou de admirar o mar. De ser mediadora dos arroubos do azul provedor/protetor (papel exercido com uma sobrecarga natural de ansiedade) para permitir o fortalecimento dos braços e a tranquilidade do remar.

3) O assombro diante da desenvoltura dos meninos no exercício do que chamo m/paternidade dos nossos dias (assim mesmo alternando o m e o p, por falta na nossa língua de um termo para traduzir o “parenthood”). O cuidar natural da cria. Tarefas e afetos. O remar a quatro mãos desdenhando de antigos mapas e suas cores. A fé na renovação do humano que brota dessa visão multicor.

Ouso, depois de tudo, generalizar repetindo um texto que escrevi há algum tempo. Talvez estejamos caminhando para a desconstrução do mito do instinto maternal, e ativando o instinto de sobrevivência de um novo ser. Uma complexa estrutura biológico-afetiva que não cabe na singularidade de um ‘m’ ou de um ‘p’. Há ainda um longo caminho, sem dúvida, mas os primeiros passos já se vão.

 

Sergia A. (sergiaalves@hotmail.com)  vive em Teresina-PI, como aprendiz de letras e espantos. Mestra em Letras/Literatura, Memória e Cultura, é autora do livro Quatro Contos, Editora Quimera (Teresina, 2018) e participou de coletâneas diversas: A mulher na literatura Latino-americana, Editora EDUFPI/Avant Garde (Teresina, 2018); Conexões Atlânticas, Infinita (Lisboa, 2018); 2ª Coletânea Poética Mulherio das Letras ABR Editora (Guarujá, 2018); Antologia do Desejo: Literatura que desejamos, Patuá (São Paulo, 2018)