Assustada, ela segura minha mão. Seus dedos de tão pequenos se perdem na calosidade das minhas articulações. No rosto, a tristeza profunda dos rejeitados pela sorte de uma infância feliz. O silêncio grita contra as paredes brancas. O analgésico adormece o pranto.
Ouço os gritos da rua. Apago as luzes. Calo as janelas. Apoio sua cabecinha no meu colo. Sussurro ao seu ouvido um desejo: vai ficar tudo bem. Abafo as vozes doentias dos adoradores de deuses. Um acalanto ancestral liberta nossos ventres. Rumores de cirandas. Rodam as mulheres e suas tribos repetidas em mim. Entoam cantos tomando de empréstimo notas emitidas por minhas cordas vocais.
Dorme, menina! Dá-me a tua dor que é minha. Desperta, menina, o amor que virá. É amor o que nos leva até o teu leito em sintonia. Há amor no gesto que te oferece o peito como casulo para o nascer de tuas asas.
O monstro está à solta?
Os monstros espumam em volta?
Sossega! A mesma noite que os acoberta os acolherá em seu abismo de trevas. Serão aprisionados em suas preces sem senso. Serão feridos por suas próprias garras. Queimarão suas peles e suas línguas nas caldeiras do inferno que inventaram.