Não se trata de anos-luz. São apenas mil e setecentos quilômetros que nos separam ao longo de doze meses. No entanto, aguardamos ansiosas o recesso de Natal. Mais que a celebração religiosa ansiamos pelo reencontro. Pela alegria de abraçar, de ver o crescimento, de sentir na pele o afeto, de dividirmos uma garrafa de vinho em torno de uma mesa farta de sabores adormecidos. Estaríamos juntas, como sempre estivemos. Como sempre? A vida não se repete, sopra o vento. Somos poeira de estrelas, disse o cientista.
Fugindo das aglomerações, ela me chega bem antes da data prevista. Exames negativos, arrisca-se em um voo com todas as precauções. Prendemos os braços às costas com laços de fitas para evitar a involuntariedade dos abraços. Os beijos ficam suspensos no ar entre máscaras. Quartos separados. Dois metros de distância são suficientes para perceber o brilho insistente do olhar. Rimos, brigamos e gritamos uma para a outra. Ouvir sem a interferência tecnológica dos dias normais é desafiador. Política, ração do cachorro, ruídos da distância e a conjunção de Júpiter e Saturno mergulhadas na projeção de imagens da NASA. A música se avoluma e atravessa as paredes do quarto de menina, em uma saudável contaminação. Taças dispostas, segundo uma nova etiqueta, nos avisam que perdeu o sentido o ressoar dos cristais. Saúde!
Como veio, partiu embalada na velocidade impiedosa dos ponteiros. Dias depois, continuamos bem. Gravou-se no meu dicionário particular uma definição. Como nos pratinhos de porcelana da coleção (inspirada nas tirinhas da cartunista neozelandesa Kim Casali) que, junto com os LP, virou brinquedo: amar é… desejar que o outro permaneça vivo. O peito ainda goteja sobre o germinar de uma semente sedenta. Existe amor em 2020.
2021?
O tempo dirá.
Crédito da imagem: NASA (disponível no vídeo What’s Up for December 2020, Instagram oficial)