Luiz Alberto Mendes
Blog Title

Aceleração

Não há dúvidas que a velocidade com que ocorrem as transformações tecnológicas tem causado enorme impacto na vida de cada um de nós. A comunicabilidade está promovendo a interconectividade e está expandindo e superacelerando o conhecimento. E, em consequência, nossa vida.

A China está formando cerca de 6,5 milhões de graduados por ano. Metade deles engenheiros e cientistas. Outros países, tanto menos. Mas, somando, quantos milhões de cientistas estão sendo graduados por ano no mundo todo? De 30 a 50 milhões, talvez? Quantos desses serão geniais e inovadores? Mas mesmo que a maioria não seja assim especialmente dotada, a interconectividade os proverá para aplicar e desenvolver conhecimentos.

O progresso tecnológico e as mudanças que causarão na sociedade, segundo especialistas, está apenas começando. A Genética, a tecnologia das células-tronco, nanotecnologia, neurociência, robótica, etc., prometem acima do imaginável. Por exemplo, os cientistas conseguiram projetar um implante cerebral capaz de restaurar a memória e fortalecer a capacidade de lembrar em ratos. Essa é uma clara demonstração, segundo cientistas, que a função do conhecimento pode ser aumentada por próteses neurológicas.

E onde isso pode nos levar? A saber mais, queimar etapas e acelerar o tempo em que vivemos. Isso é bom? O fato de não sabermos lidar com as transformações que ocorrem hoje não significa que elas sejam boas ou ruins. Mas demora apenas quarenta minutos a ponte São Paulo/Rio, de avião. Economiza cinco horas de nossa vida. Isso não é ótimo? As doenças serão erradicadas pelo sistema de detecção celular antes até do nascimento da criança. Os cientistas afirmam que podemos viver 120 anos, e sem doenças ou sofrimento físico.

Quer dizer: nem tudo o que se prevê do futuro é catastrófico. O tempo provavelmente carece mesmo de ser acelerado. Vamos combinar: estava tudo muito lento e cansativo. É preciso botar uma pilha. É possível ainda alimentar certo otimismo racional com relação ao homem. A sua capacidade de consertar o que quebra e oferecer contrapartidas ou alternativas ao que estraga é relevante.

**

Luiz Mendes

 

O tumultuado espaço do amor…

Haverá um lugar propício para o amor? Um espaço onde ele se manifeste com maior intensidade e volume? A cama? Não creio.

Antes, me parece, cada um tem o seu lugar para o amor, para viver seu melhor prazer. Conheci uma garota que gostava de modo no mínimo inusitado. Deslocava a cama para colocá-la em cima de cavaletes. Entrava para baixo com o parceiro para transar. Fora escondido embaixo da cama que se tornara mulher. E era ali, compactada pela cama, pressionada pelo companheiro e machucada pelo chão que vivia mais intensamente seu prazer.

Masoquista? Não creio. São fetiches, sensibilidades aguçadas que desejam vivenciar seus extremos. Censurar? Acho que já esta tão complicado para as pessoas usufruírem seus prazeres, que quando o conseguem, é preciso que sejam respeitados em suas intimidades.

Há quem goste no chuveiro. Se bem que tenda a bambear as pernas, mas, pode ser até um toque a mais de prazer. Sob a chuva deve ser muito bom. Aqueles raios todos, trovões e a eletricidade no ar… Excitante, imagino. Há quem goste na praia. Dentro do mar, corpos imersos, a leveza daquela água salgada a pressionar pôr entre as pernas… Com certeza é uma delícia, mas o sal queima e arde depois.

A mesa da cozinha é palco de muitos embates sexuais. Um tanto quanto anti-higiênico, mas como lavou já está novo, então os anônimos da cozinha estão mais que certos. O amor que se alimenta, nunca muda de endereço, ouvi dizer. Tapetes da sala, naves interplanetárias em busca de galáxias úmidas e satélites duros. Fere os joelhos e as costas, mas, tomando certos cuidados, uma boa pedida. Não muito criativa, mas enfim…

Na hora mais lúcida, escolher, inventar ou improvisar o espaço torna-se parte crucial da história. Até o telhado não escapa. Muitos tiveram suas iniciações masturbatórias em tais alturas. Era um ótimo resguardo da curiosidade alheia. Hoje, com os edifícios, ficou visível demais. O sujeito esta lá na laje homenageando a vizinha gostosa e centenas de binóculos o focam. Muita gente cuidando da vida alheia, por que será, hem?

De muita coisa é feita a vida. Alguns a fazem em áreas de estacionamento, por entre carros, muros da cidade, praças escurecidas, elevadores, matinhos, ou mesmo na cara de pau para que todos vejam. Gostam de se exibir, querem chocar. Nenhuma censura a eles. Apenas que senso de ridículo cai bem e percebam; não estão chocando mais ninguém.

Tenho um amigo que gosta de levar, furtivamente, suas parceiras para garagens de ônibus à noite. No fundo de ônibus vazios, na madrugada, ele faz sua festa.  Ouvi dizer de outro que gosta em cima de pontes e que, pôr vezes, na hora do prazer, se atirava dentro do rio. No interior do país, tudo bem, deve ser até saudável, embora dê para imaginar o choque do impacto. Mas já pensou um maluco desses se atira do Tietê em pleno centro de São Paulo? Quando chegar à margem, caso consiga chegar, estará podre e irrespirável. Não aconselho. O prejuízo menor será perder a parceira.

Enfim, cada um com suas estratégias de alcançar seus prazeres. Eu cá também tenho os meus e vivencio com toda naturalidade que sou capaz. No alto da montanha, no vale, ou em cima das águas, importa é ser feliz e viver toda alegria que somos capazes.

Luiz Mendes

11/10/2016.

Tutinha

Do que sei, a gente passa pela dor sem conhecê-la jamais. Dá até para entender algumas coisas. Por exemplo, sabemos que não existe isso de “ir para a frente”; “sacudir a poeira e dar a volta por cima”. O embrulho no estômago, coração varado de tristeza e a angústia fininha atravessando a mente, não vão passar coisa nenhuma.

Difícil dizer que decidimos nossas vidas. Estar humano é tortura de longas esperas. Se há um plano no sentido de chegar, não conheço. Provavelmente seja descoberta individual. Dessas herméticas, esotéricas e complexas. Talvez a única atitude sensata seja tentar compreender e aceitar fatos para trabalhá-los a nosso favor. De alguma forma, somos obrigados a encarar nossas perdas. Seguros de que não podemos ser diferentes do que somos, marcar posição ao centro, para nos manter flutuando.

Voltava da padaria, quando fui agredido por uma cena comovente. Um menino de cerca de 7 anos chorava, gritando que queria Sofia. Estava deitado na calçada em posição fetal. Duas mulheres tentavam arrastá-lo para dentro da casa. Conheço a história e bem por isso doeu fundo. As senhoras haviam sido amigas de minha mãe. Quando Tutinha nasceu, embora preso, soube da notícia. Sofia era menina do bairro que engravidara como estivessem em um brinquedo do Hoppi Hare. O pai da criança é um “nóia” que ela nem quer ver. Quando sai da prisão, o menino já estava crescido. Estuda no prezinho com Jorlan, meu filho mais novo. Mora ali na esquina e esta sempre aqui em casa brincando com meus meninos.

Foi criado pelos avós. O menino trata a avó e a mãe, por mãe. Não consegue definir quem é a mãe mesmo. Sofia é mais uma irmã que mãe. Sofia ainda é garota, tinha treze anos quando pariu. Quer ser feliz, adora dançar e se enturma com um grupo enorme de jovens. Ela havia conhecido Carlinhos. Estavam namorando já algum tempo e decidiram morar juntos. Ninguém mais quer casar de verdade. Papel atrapalha, quando for separar.

Então era isso. Sofia havia mudado para a casa do namorado. Não podia levar Tutinha; não havia espaço para ele lá. Ela e Carlinhos trabalham e querem um lar, junto com o menino. Mas agora ele não esta nos planos. O menino não entende, sente-se abandonado e sofre desesperadamente. Vai passar? Sim, vai, mas a ferida jamais será cicatrizada. Aquele tecido nervoso estará irreversivelmente comprometido.

Observando e por dentro pensando no drama do garoto, deu agonia. Ando misturando-me à dor dos aflitos e às vezes me perco em sentimentos de impotência, revolta e desmotivação existencial. Senti vontade de morrer, sumir, desaparecer. Doía demais ver, sentir e nada poder fazer. Viver, naquele momento, era uma merda, estava de saco cheio daquilo tudo.

Então, na mente veio a música “Chatterton”, do Seu Jorge. Ele fala que Chatterton suicidou; Kurt Cobain suicidou; Vargas suicidou; Nietzche enlouqueceu, e eu (Seu Jorge), não vou nada bem… Pois é, eu vou pior ainda e nem sei quem é Chatterton. O sentido da vida, para mim, esta no que sinto pelas pessoas. É terrível vê-las sofrer barbaramente, como esse menino e só poder olhar, estupidificado.

Foi um momento muito duro. Minha liberdade tem se esvaído nesse acúmulo de sentimentos não resolvidos. Ao fim e ao cabo, hoje sei, acabamos por aceitar a vida como ela é. Não é maturidade, é desistência mesmo. Viver e estar melhor é tudo o que conseguimos, por enquanto.

***

Luiz Mendes

02/10/2016.

Crianças

Estava jogando bola no quintal com meu filho mais novo, Jorlan, e duas menininhas que moram na frente de casa. Pensava no que escreveria dessa vez. De repente, o moleque, que vai fazer sete anos, caiu para a esquerda. Tentei jogar o corpo para barra-lo (já estava 4 a 1, a essa altura do jogo, para ele, obvio), escorregou igual quiabo e lá foi o bobão do pai para o chão, de cara.

Quis rir mas doeu. O braço estava machucado, o ombro ralado e a testa com estrelinhas de quem percebe a pressão caindo vertiginosamente. Pesquei a mim mesmo de dentro vórtice que ameaçava me engolir. A escuridão me invadiu e me senti poeira dentro de um túnel de vento. Na boca, o gosto daqueles frutos ácidos. Dentro dos olhos, vários sóis e esperei cair as flores decepadas, como em um livro de Genet.

De dentro do meu cansaço físico, minha sombra era trapo roto a me envolver. Sai andando às cegas, com sorriso branco pregado no rosto. As crianças me olhavam. Disfarcei. Esta chovendo, chega: crianças para dentro de casa. As dores eram moles como relógios a escorrer mesa abaixo, num quadro de Di Cavalcanti. A garoa intensificava. O vento abraçava minha voz em dilatado murmúrio e eu achava incrível que tudo o que estava sentindo, pudesse estar guardado por trás de meus olhos.

Já sentiu uma tristeza mansa, assim lenta, de pedra lavada, sem pulsação? Despertei, a elegância da chuva me comovia, tudo, de repente, era tão leve… Fiquei olhando as crianças desobedecendo e correndo, alegres, para debaixo da chuva e aquilo lhes bastava. A luz quebrava a garoa que em cortina lambia cabelos revoltos. Fiquei ali, cheio de dizer não, na insólida consciência de que não adiantava. Senti que a existência das coisas são todo sentido que há nelas.

Por paradoxal pareça, vivo uma paz que não conheço, mas que pelo menos já não finjo. No entanto existe. Sou o que em torno de mim esta. E essas crianças me garantem que eu não sou apenas um estúpido que pensa e que sempre há motivos para continuar. O riso, a briga, pequenos rostos vermelhos a suar esbaforidos, exprimem uma satisfação de viver que animaria uma pedra.

Nesses momentos, já nem sei se ainda tenho uma alma ou um mar de ternura que se derrama. Talvez eu seja louco o suficiente e consiga derrubar os obstáculos. Os sonhos nunca morrem, é o título de um livro. Deslocam-se, silenciosos e furtivos, para o esquecimento, diz o poeta. No entanto, ouso. Junto às horas mortas, empurro os destroços do que tenho sido, necessitado um tanto ainda.

O sentimento que enche meu peito, é de uma sabedoria que jamais quis. Aquela espremida das dores, recolhida do sofrimento, dos terminais da tristeza e da solidão. Ainda caminho a invencível estrada, embora mais decididamente.

Composto por Luiz Alberto Mendes em 21/09/2005

A Vida de Mentira

Quando a conheci, não gostei nem um pouco do que vi. Sentia-me mesmo agredido pelo seu comportamento e suas idéias. Eram diametralmente opostas às minhas. Havia saído da prisão há bem pouco tempo; foi duro teste de adaptação. Sua vida era mentira constante. Representação. Seus preconceitos, a mania de grandeza, de superioridade, não sendo grande ou superior, até muito pelo contrário, era quase ofensiva.

O pior é que se acha mesmo. Mera funcionária do Estado, ganhando pouco mais de dois salários mínimos, pousava de madame a peruar. Seus dedos são cheios de anéis que imitam originais. Entra nos hipermercados feito madame; esperando ser servida. Apanha o carrinho de compras, e vai enchendo dos produtos caros, exibindo-se pelos corredores da loja. Quando cansa da “brincadeira”, encosta o carrinho em algum canto e sai de queixo erguido, como se nada ali lhe agradasse.

Conhece os Shoppings com intimidade. Invade lojas sofisticadas e experimenta roupas qual as pudesse comprar. Sua representação é impecável. Vem para fora do provador para se mostrar vestida. Conta histórias de um filho milionário que paga todas as contas. As vendedoras e clientes que se deixam impressionar ficam de queixo caído ouvindo-a. Todos acreditam. Depois sai sem levar nada, distribuindo sorrisos e encantamento.

Enfrenta frio, sono e fome para comprar produtos falsificados de griffes famosas na feira da madrugada no Braz. O tênis de segunda linha aperta um pouco, mas engana qualquer um. A calça e a camiseta piratas não se ajustam bem, mas enganaria o fabricante original. O lindo relógio “falsiê” não pode sentir cheiro de água que já inunda. As “jóias” extravagantes são do Paraguai. Os perfumes “franceses” só exalavam cheiro quando esparzidos. Depois é só álcool e água. Quase se sufocava fechando os vidros do carro usado do marido, para fingir ar condicionado interior.

E lá vai ela, toda faceira, atraindo olhares com aquela roupa colada e que corta a pele, de “marca”, como quem vai à academia. O cabelo loiro-platinado balança (as raízes escuras denunciam o real), mas teme à chuva. Leva sombrinha na bolsa com o enorme logo da griffe estampada, em dia de sol. Anda feito louca com aquele tênis arrochado que lhe enche os pés de bolhas, para manter a forma física. Volta da “academia” com a toalhinha rosa enxugando suor da testa e do pescoço. Faz caras e bocas de cansada, afirmando que o “personal treiner” exigiu muito dela naquele dia…

Depois de conviver com esse falseamento da verdade, a gente acostuma e começa a achar engraçado. A indignação que me afetava vira motivo de rir. O trágico transformou-se em comédia. Hoje pouco vejo essa falsa bacana, mas quando a encontro me divirto com suas ultimas peripécias. Ela mesma acredita em suas representações. Vive-as com todo empenho e intensidade que é capaz.

Parece menina brincando e esta beirando a terceira idade. Depois de um tempo descobri que essa é a forma que ela encontrou de, em sendo pobre, lidar com a sociedade de consumo. Passei a valorizá-la. De alguma forma ela zomba de tudo ao tempo em que preenche seu imaginário de substância. Embora pareça, sua solução não é nem um pouco original. Todos nós fazemos um pouco disso. Caso contrário o mercado da pirataria iria à falência. E não é o que acontece, muito pelo contrário.

Todos nos vemos e fantasiamos com as roupas e as coisas que desejamos ter. Quantos não compram e depois não têm como pagar? Quantos, inadimplentes, emprestam de um banco para pagar financiamento de outro?  Ela não tem, mas fingindo ter, dribla a frustração, inventa e chega a ter. É quase poético. Lembra um poema de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor…”

**

Luiz Mendes

19/09/2016.