Estava jogando bola no quintal com meu filho mais novo, Jorlan, e duas menininhas que moram na frente de casa. Pensava no que escreveria dessa vez. De repente, o moleque, que vai fazer sete anos, caiu para a esquerda. Tentei jogar o corpo para barra-lo (já estava 4 a 1, a essa altura do jogo, para ele, obvio), escorregou igual quiabo e lá foi o bobão do pai para o chão, de cara.

Quis rir mas doeu. O braço estava machucado, o ombro ralado e a testa com estrelinhas de quem percebe a pressão caindo vertiginosamente. Pesquei a mim mesmo de dentro vórtice que ameaçava me engolir. A escuridão me invadiu e me senti poeira dentro de um túnel de vento. Na boca, o gosto daqueles frutos ácidos. Dentro dos olhos, vários sóis e esperei cair as flores decepadas, como em um livro de Genet.

De dentro do meu cansaço físico, minha sombra era trapo roto a me envolver. Sai andando às cegas, com sorriso branco pregado no rosto. As crianças me olhavam. Disfarcei. Esta chovendo, chega: crianças para dentro de casa. As dores eram moles como relógios a escorrer mesa abaixo, num quadro de Di Cavalcanti. A garoa intensificava. O vento abraçava minha voz em dilatado murmúrio e eu achava incrível que tudo o que estava sentindo, pudesse estar guardado por trás de meus olhos.

Já sentiu uma tristeza mansa, assim lenta, de pedra lavada, sem pulsação? Despertei, a elegância da chuva me comovia, tudo, de repente, era tão leve… Fiquei olhando as crianças desobedecendo e correndo, alegres, para debaixo da chuva e aquilo lhes bastava. A luz quebrava a garoa que em cortina lambia cabelos revoltos. Fiquei ali, cheio de dizer não, na insólida consciência de que não adiantava. Senti que a existência das coisas são todo sentido que há nelas.

Por paradoxal pareça, vivo uma paz que não conheço, mas que pelo menos já não finjo. No entanto existe. Sou o que em torno de mim esta. E essas crianças me garantem que eu não sou apenas um estúpido que pensa e que sempre há motivos para continuar. O riso, a briga, pequenos rostos vermelhos a suar esbaforidos, exprimem uma satisfação de viver que animaria uma pedra.

Nesses momentos, já nem sei se ainda tenho uma alma ou um mar de ternura que se derrama. Talvez eu seja louco o suficiente e consiga derrubar os obstáculos. Os sonhos nunca morrem, é o título de um livro. Deslocam-se, silenciosos e furtivos, para o esquecimento, diz o poeta. No entanto, ouso. Junto às horas mortas, empurro os destroços do que tenho sido, necessitado um tanto ainda.

O sentimento que enche meu peito, é de uma sabedoria que jamais quis. Aquela espremida das dores, recolhida do sofrimento, dos terminais da tristeza e da solidão. Ainda caminho a invencível estrada, embora mais decididamente.

Composto por Luiz Alberto Mendes em 21/09/2005