Eu sei muito pouco de você.

Não sei o quanto calça, nem quem era o melhor amigo na infância. Nunca perguntei o nome da sua mãe, nem o que fazia em 98 quando o Brasil perdeu a copa. Não sei seu rg, nem cpf, nem ao menos seu nome completo, e dia desses reparei: não saberia dar seu endereço ao taxista, caso precisasse trair o uber. Logo aquele caminho que, de olhos fechados, eu sei chegar à noite, quando tudo se aquieta e a gente vai se esconder.

Não sei seu tipo sanguíneo, nem a banda favorita. Não faço ideia se prefere açúcar a adoçante. Não sei quanto tem no banco (sei que odeia bancos) nem se curte viajar, nem sei detalhes daquela cicatriz no braço. Não conheço nenhuma das pessoas a quem chama de amigo.

Mas as coisas poucas que eu sei me são enormes.

Sei exatamente quando quer esconder o riso e quando o libera de verdade. Sei contado os sinais que se espalham discretamente pelo teu pescoço. Conheço a parte do passado que escolheu pra me contar, sei dos planos que arriscou dividir comigo. O lance todo com a barba e o modo como aumenta a temperatura quando encosta em mim. Sei dos problemas com o sono, o nome da professora preferida (eu podia descobrir tua senha de email com essa pista, né não?) e sei que sonha em ser grande – mesmo tendo a consciência de que ser ou ter é só uma questão do lugar que escolhemos para observar.

Que coisa bonita e louca é a intimidade: eu sei a tua marca de cueca mas não sei que campainha tocar no interfone do teu condomínio. Onde é que você mora? Mora de verdade, não os locais pelos quais passeia e que assistem você existir – um quarto de dormir, um teto que te abriga, são só espaços desprovidos de sentido se a gente não faz deles nossa casa. Quero saber onde você faz morada, em pensamento, alma e coração.

Compartilhamos madrugadas, cachaça, torta de limão, pão de alho, pizza e batatinha – pra que maior intimidade que beber no mesmo copo de cerveja? Um morde, o outro respira ofegante enquanto as mãos se encontram e se prendem como se o corpo estivesse prestes a se lançar de um precipício. Gosto do teu olhar estrangeiro (lembra o livro?), que me faz olhar para as coisas que são minhas com mais apreço e admiração, e menos desdém. Me apeguei a forma como nos apegamos: “pode ser que sejamos igual método qualitativo e quantitativo”, você me disse, igual a um cientista político, tentando explicar que é possível completar-se em meio a tanta diferença.

Pode ser que a gente seja tudo isso, ou pode ser que nada.

Que mal há em dividir uma vida ou uma noite? No fim, que diferença isso faz se algumas coisas são verdades só na hora em que são ditas e depois, puff: já foi. É o tempo de um storie, é o segundo de uma foto, é o brilho de uma noite de São João.

Pode ser eterno, e acabar agora.
Pode ser efêmero e durar pra sempre.

E isso é tudo do muito pouco que eu sei.