Luana Sena

Amar e escrever à máquina

Blog Title

Que vontade de te ter, iphone

Eu estava nessas bads absurdas que acometem a gente num domingo, e eis que uma amiga ligou e disse: “tô passando, desce”. Eu botei um body – porque se você está em 2017 e não tem um body asseguradamente você não é ninguém – pintei a cara e me senti poderosa. Hashtag partiu balada.

qualsenha

 

3 mojitos depois eu estava na chuva, de calça branca, fazendo trenzinho ao som de Asa Branca. Ninguém sabe me dizer porquê. Alguém(eu) teve a ideia muito maravilhosa de tomar umas duas pingas pra espantar o frio (??) e eu achei coerente. A gente dançou, a gente riu, a gente se perdeu, alguns beijaram na boca. A gente voltou no carro cantando o hit do meu carnaval – clica aqui pra tu ficar por dentro e balançar a pélvis.

E a última coisa de que me lembro é da Siri falando comigo desesperadamente. Sim, eu vi aquela mancha enorme de água no meu iphone, mas eu achei que se ele dormisse no arroz tava tudo ok – no outro dia, nós dois acordaríamos lindos e secos e seríamos plenamente felizes, como sempre foi.

Não rolou. E diante daquela maçã insistente aparecendo e sumindo pra mim no visor, eu recorri a uma assistência técnica: não recomendo. Um lugar cheirando a aroma de difusor barato, onde eles te cobram 50 reais só pra abrir e dar um diagnóstico evasivo sobre teu celular. E os dois dias que eu passei esperando por isso foi pior que ter um parente na UTI. Juro pra vocês – e podem julgar – que eu fiz até promessa.

Ele não voltou. E não venha me recriminar se parece que estou falando de um iphone 7 plus, porque na verdade era um modelo 5c amarelo com uma lasca de queda no canto inferior esquerdo, vestígios de uma dona inegavelmente cuidadosa. Não me importa, eu amava ele. E de toda a sucessão de perdas que enfrentei nos últimos tempos, essa sem dúvida foi a mais cruel, estúpida e brutal de todas. Iphone, por que me abandonastes?

Me causa profundo estranhamento que ninguém tenha criado o guia de como viver sem celular na modernidade tardia. Eu estou ha 14 dias, 72 horas, 32 minutos e 22 segundos sem meu telefone móvel e, no momento, com crises controladas de abstinência das redes sociais. Se você me acompanha no Instagram, adianto que eu não te bloqueei. Eu apenas não tenho mais o aparato técnico necessário pra exibir felicidade na internet. Talvez também não tenha agora a felicidade, mas isso é um detalhe mínimo.

Meu deus, o Twitter. Quantas vezes não teria este app me livrado de tentar a morte? Devo a esta rede e a eficiente produção de memes de seus usuários todas as horas que passei gargalhando e livre de toda a angústia existencial. Esqueça os antidepressivos, faça imediatamente uma conta no Twitter, esse é meu conselho pra humanidade.

E aí que vai chegando o carnaval, né. E eu tô solteira sem 3g, sem Tinder, sem Whatsapp, sem poder postar nem um stories purpurinada nas mil e trezentas redes que agora aderiram a isso contra a nossa vontade. Eu nem tenho esperança de ainda saber usar esses aplicativos quando eu voltar pra esse universo – a mudança frequente exige constância, quem sou eu offline na fila do pão? Ignorando o fato de que, além de tudo, smartphones servem para fazer ligação, eu nem vou relatar o fato de que distribui uns currículos por aí e estava estranhando o fato de ninguém ter entrado em contato.

POR POMBO CORREIO, CARA PÁLIDA??

Então, se você é possivelmente um patrão, fala comigo no face ou manda um email.
Eu juro, eu tô super a fim.

 

UPDATE: Ninguém sabe mais o que é esperar 5 minutos sem posar pra uma selfie, tá dando aquela conferida rápida nas mensagens, ou vagar sem rumo pelo facebook. É completamente doentio. Ontem eu fui na casa de uma amiga sem avisar por whats e me senti um E.T. Falar nisso, onde vocês pagavam contas antes dos apps de banco? Existe um lugar pra isso? Dinheiro em papel, boleto? Sério?

Do tempo que transforma todo amor em quase nada

Quando a gente perde um grande amor, parece injusto que o resto da humanidade siga a vida normalmente.

As pessoas não podem ser felizes. Garçonete tola, por favor, tenha um pouco mais de parcimônia ao interromper aquela conversa que resume o fim, o fim de um grande amor.

16244698_1731608900198855_1432385713_o

 

Porque quando a gente perde um grande amor, a gente perde também um pouco de esperança, um pouco de otimismo, um pouco de vontade. A gente conta as horas pra ficar sozinha com o travesseiro, abraçando a escuridão.

Quando a gente perde um grande amor, chora baixinho no chuveiro, tira quadros da parede, desocupa os móveis, escolhe os discos, corta o cabelo, fura o sinal. Dirige cantando aos gritos uma música triste da Gal.

Quando a gente perde um grande amor, aluga os amigos até afogar o assunto em cerveja, champanhe ou choro. Repassa os fatos, discute os motivos, refaz as perguntas, desfaz as questões. Fica querendo reconstituir tudo até descobrir a causa, o culpado: quem matou, como morreu esse grande, imenso, amor?

Quando a gente perde um grande amor, Roberto Carlos passa, de fato, a ser rei. Entende a Marília Mendonça. Faz playlist fossa e se admira das músicas de desamor que estavam ali, o tempo todo, esquecidas, sem cumprir sua função. A função de acalantar as lágrimas, as lágrimas que lavam e levam o grande amor.

Mas quando a gente perde um grande amor, a gente ganha uma força interior gigante. Desapega da lembrança, do retrato, da vontade, da saudade. Se sente capaz de viver qualquer enredo que envolva pequeno, médio, grande ou nenhum amor.

Quando a gente perde um grande amor, a gente se pergunta se ele era, realmente, assim, tão grande.

Elis – qualquer canto é menor do que a vida

Sim, eu vi Elis. Não estava com nenhum frisson pelo trailer, nem nada do tipo, portanto pode-se dizer que fui sem expectativas. Também não sou das maiores fãs, então fica registrado aqui que minhas impressões acerca do filme estão isentas de fanatismo ou adoração.

499aa51dc3818

 

Comprei o livro “Nada será como antes”, assim que chegou às livrarias. Nunca li. Está aqui do meu lado enquanto escrevo e penso “Eu deveria saber mais sobre Elis”. Entretanto, tudo que li até hoje sobre a era dos festivais (a minha parte preferida na história da música brasileira) e MPB, trazem Elis como uma personagem estourada, vaidosa, antipática e muitas vezes arrogante. Infelizmente, o filme reforça isso.

Digo infelizmente porque em determinado momento no cinema eu mesma achei que ela merecia mais. Fiquei esperando a história por trás. A carreira. A música. O dom. O estouro. Não veio. O filme focou numa Elis determinada, embora aflita, angustiada e aparentemente dependente de suas relações amorosas. Em certo ponto parece simplesmente um romance, a história da conturbada relação com Ronaldo Bôscoli – o amor que surge do ódio, as explosões de ciúme, e o declínio. Não me tocou.

É absolutamente fraco do ponto de vista da Elis artista – as parcerias, gente, cadê as parcerias? Belchior, Milton Nascimento, Renato Texeira, João Bosco, são sequer citados. Enquanto Nelson Motta, com quem se sabe, ela teve um namorico secreto, aparece de maneira quase didática na história.

O episódio com os militares, tenho que destacar. Quando saí do cinema discuti com uma amiga essa cena: Elis foi coagida e ameaçada para dar aquele show. Ela tinha um filho, ela estava com medo e confusa. Ok. Não desconsidero nada disso. O ponto é: eram motivos DELA. E enquanto ela fazia o que lhe convém, lutando por ela, pela segurança dela, pessoas morriam em porões lutando por um país.

Não tem como não fazer a comparação com Gal – o próprio filme nos convida a isso. Enquanto Elis trazia o canto sofrido, Gal Costa era a voz da juventude, da revolução. Ótimo que ela escolheu o caminho dela, mas repito, independente do motivo, cantar para os militares foi uma posição política. Novamente, enquanto ela limpava a barra dela, Gal era a voz da resistência trazendo notícias dos exilados.

Para mim fica a imagem de uma artista vaidosa que viveu a angústia de depender do aplauso dos outros – veja que ela não descansa até checar pessoalmente com Henfil o propósito da charge no Pasquim. Ela não conseguia não se importar. Lia as críticas, sofria com a opinião alheia. Me toca o diálogo com César Mariano, ela gritando “Esse jornalista falou que tudo que fiz foi uma merda!”, e ele dizendo “Não, Elis, ele disse que esse é o seu melhor disco”. Era uma questão de ponto de vista, era uma questão de escolher não sofrer, não se importar em não agradar. “O problema, Elis, é que nem você sabe o que você quer”.

Entendo muito. Entendo demais.
Até porque, analisar daqui, distante, é fácil.
No fundo eu sou um pouco Elis.

Minha estupidez

Adoro Fernanda Torres, tanto que dei um desconto naquele episódio em que ela falou umas bobagens sobre o feminismo. Polêmicas a parte, na semana passada ela estreou um programa chamado “Minha estupidez”, no GNT.

ubaldo

 

Foram cinco episódios onde Fernanda Torres aparece entrevistando alguns intelectuais que admira – a edição mistura a conversa informal com uma esquete de ficção, adaptada livremente de um texto: Viva o Povo Brasileiro (João Ubaldo Ribeiro), José Agrippino de Paula, Shakespeare e outros tantos textos desses que nos trazem a sensação de sermos estúpidos.

O primeiro episódio me pegou de cara: Fernanda apresenta sua estante de livros, herdada do avô. “Esse programa nasceu dessa estante aqui”, afirma. “Por mais que eu tenha lido e amado os livros que eu li, eles se reduzem a isso aqui. Ou seja: nada, perto do que existe pra se ler”. E com a perplexidade de quem se reconhece miúdo, conclui: “Essa estante de certa maneira mede o tamanho da minha estupidez”.

A entrevista com João Ubaldo Ribeiro foi gravada em 2008. Fernanda confessa que apesar de ter feito “A casa dos budas ditosos” no palco por anos, nunca havia lido um livro fundamental do autor: “Viva o povo brasileiro”, de 1984. Ela resolve relatar isso pessoalmente a Ubaldo.

Fernanda não é uma repórter – esse é outro grande charme. Na contramão daqueles que se preparam lendo tudo sobre alguém a quem vai entrevistar, ela escancara a ignorância, a fragilidade, a vulnerabilidade – e, não podemos negar que a intimidade com o entrevistado acaba o deixando à vontade para também transparecer as suas.

É assim que temos Ubaldo dizendo: “Eu lia muita coisa sem entender coisa nenhuma”, uma antropóloga falando da burrice do etnocídio, uma ministra preocupada com a força da palavra, Caetano Veloso dizendo que perdeu dois anos no colégio e um agrônomo que, ao falar do antropoceno (período geólogico que estamos vivendo, caracterizado pelo impacto da intervenção humana no planeta) faz a gente se sentir ao mesmo tempo culpado e insignificante.

Ideia original, conversas que rendem longuíssimos debates e reflexões – tudo isso pescado das lembranças de Fernanda da infância, as dúvidas, as questões existenciais e a conclusão a qual só os grandes conseguem chegar: a certeza da nossa ignorância.

Bora triscar?

15138504_1345085435510971_7331478473021663329_oQuando eu era criança, pouco existiam os programas de criança. A gente meio que acompanhava os adultos e ficava por ali relegada a ambientes noturnos, conversas estranhas, e no máximo aparecia alguém para ligar uma tv, botar um desenho. Os anos 90 trouxeram isso dos shoppings e da tecnologia, a nossa descoberta – até tardia, pode-se dizer – de cinema e brinquedos eletrônicos. Era tudo novo e bom, mas era uma diversão inteiramente associada ao consumo, a qual poucos tinham acesso e da qual pouco nos livramos.

Esse pequeno arrodeio é pra dizer que me enche de alegria a proposta do Trisca– Festival de Arte para Crianças, que acontece entre os dias 23 e 27 em Teresina, Parnaíba e Floriano. Na programação, são mais de 10 espetáculos, oficinas, workshop, cinema, bate-papo e exposições, envolvendo arte circense, teatro, música, literatura e grupos do Piauí, Ceará, São Paulo, Minas Gerais e Santa Catarina. Tudo de graça, em muitos espaços da cidade.

Destaco aqui a ideia do Jardim Sensorial, produzido pelos artistas Hudson Melo, Josélia Neves e Rosa Prado – é tudo lindo e lúdico, pensado para ver, mexer, sentir e ouvir.

O Trisca tem direção artística do Canteiro (Criação, Produção e Práticas artísticas), patrocínio da Secult e do Sesc. É a primeira edição, e já vale o nosso apoio só pela iniciativa de pensar espaços para crianças, num mundo onde acostumamos a pagar o playground em churrascaria. Para Layane Holanda, uma das gestoras do projeto, insistir na potência da arte, dos ambientes sensíveis, do encontro é urgente – e é nosso papel para as novas gerações. Repare como as crianças triscam em tudo, toda hora. É o jeito delas de nos convidar pra ver o mundo.

Quando?
23 a 27 de novembro.
Onde?
Clube dos Diários, Teatro do Boi, 4 de Setembro, Potycabana…. confira a programação aqui!