Adoro Fernanda Torres, tanto que dei um desconto naquele episódio em que ela falou umas bobagens sobre o feminismo. Polêmicas a parte, na semana passada ela estreou um programa chamado “Minha estupidez”, no GNT.

ubaldo

 

Foram cinco episódios onde Fernanda Torres aparece entrevistando alguns intelectuais que admira – a edição mistura a conversa informal com uma esquete de ficção, adaptada livremente de um texto: Viva o Povo Brasileiro (João Ubaldo Ribeiro), José Agrippino de Paula, Shakespeare e outros tantos textos desses que nos trazem a sensação de sermos estúpidos.

O primeiro episódio me pegou de cara: Fernanda apresenta sua estante de livros, herdada do avô. “Esse programa nasceu dessa estante aqui”, afirma. “Por mais que eu tenha lido e amado os livros que eu li, eles se reduzem a isso aqui. Ou seja: nada, perto do que existe pra se ler”. E com a perplexidade de quem se reconhece miúdo, conclui: “Essa estante de certa maneira mede o tamanho da minha estupidez”.

A entrevista com João Ubaldo Ribeiro foi gravada em 2008. Fernanda confessa que apesar de ter feito “A casa dos budas ditosos” no palco por anos, nunca havia lido um livro fundamental do autor: “Viva o povo brasileiro”, de 1984. Ela resolve relatar isso pessoalmente a Ubaldo.

Fernanda não é uma repórter – esse é outro grande charme. Na contramão daqueles que se preparam lendo tudo sobre alguém a quem vai entrevistar, ela escancara a ignorância, a fragilidade, a vulnerabilidade – e, não podemos negar que a intimidade com o entrevistado acaba o deixando à vontade para também transparecer as suas.

É assim que temos Ubaldo dizendo: “Eu lia muita coisa sem entender coisa nenhuma”, uma antropóloga falando da burrice do etnocídio, uma ministra preocupada com a força da palavra, Caetano Veloso dizendo que perdeu dois anos no colégio e um agrônomo que, ao falar do antropoceno (período geólogico que estamos vivendo, caracterizado pelo impacto da intervenção humana no planeta) faz a gente se sentir ao mesmo tempo culpado e insignificante.

Ideia original, conversas que rendem longuíssimos debates e reflexões – tudo isso pescado das lembranças de Fernanda da infância, as dúvidas, as questões existenciais e a conclusão a qual só os grandes conseguem chegar: a certeza da nossa ignorância.