Parece hoje, fechar os olhos e lembrar da viola de madeira verde do mau pai, tocando os primeiros acordes de Preta Pretinha. Do alto dos meus quatro ou cinco anos, eu bateria em qualquer um que me dissesse que aquela canção não era nossa.
“Eu sou um pássaro que vivo avoando…”
Anos depois eu captei alguém dizer: “toca aquela do Moraes Moreira”. Aprendi aquele nome – e que, apesar da gente pegar pra si, as músicas tinham dono.
Já adolescente eu me encantei pelos Novos Baianos, os filhos de João. A loucura de morar num sítio com menino e música, gastar a grana do disco com chuteira e bola, morar num ap no Rio com o lendário quarto da bíblia (tudo isso tá aqui nesse doc, que você não deve passar por essa vida sem ver). Eu queria ser da turma deles, sorrir e cantar como Bahia.
Assistir Moraes Moreira ontem foi revisitar essas memórias. O som da infância. A trilha sonora da saudade. O show “Anos 70 e hoje” trouxe um repertório pra agradar todas as gerações – de “Mistério do Planeta” (Moraes Moreira / Galvão) a “Flor do desejo” (Fausto Nilo/Moraes Moreira/Pepeu Gomes). Todos os maravilhosos frevos, entre eles o imortalizado por Gal Costa, “Bloco do prazer” (Moraes Moreira/Fausto Nilo), que transformou o Teresina Hall num baile de carnaval. Depois veio “Sintonia” (Morares Moreira) e até homenagem a Teresina com “Cajuína” (Caetano Veloso).
O show é parte de um projeto dos Correios, “Pombo Correio”, que passa por cinco capitais e tem uma contraproposta social: na véspera, Moraes fez uma apresentação fechada na Associação dos Cegos do Piauí (Acep). Além disso, os Correios selecionam cartas de pessoas separadas pela saudade e promovem o reencontro delas no show. Em Teresina, Renata, que mora há dez anos em São Paulo, reencontrou a mãe, Raimunda.
E eu me reencontrei comigo.
Meu passado, minhas histórias.
Estava tudo lá, em cada canção, que são minhas, e até podem ser do Moraes também.