Passei três dias explicando essa história, mas ok, eu não me canso: Max Brooker saiu da Califórnia de moto e está ha dois anos e meio viajando pela América do Sul. Como essas coisas cósmicas, inexplicáveis, veio parar aqui. E estava sábado, uma da tarde, no Paulim Panelada.

Ele é skatista, e os skatistas são uma espécie de seita, uns maçons sobre shapes, que se reconhecem e ajudam em qualquer parte do mundo. E foi assim que nossa casa virou um hostel. Tudo que sabíamos de Max é que precisava de um lugar para dormir uns dias e que andava de skate. E isso pareceu o bastante.

Oferecemos uma rede na varanda, ducha fria, toalha e cobertor – até parece que alguém precisa desse item por aqui, mas é cortez oferecer. Ele fala um portunhol super aperfeiçoado para quem começou o intensivão ha 4 meses, quando cruzou a fronteira com o Uruguai. As primeiras palavras que se lembra de ter dito foi “banheiro” e “fome”. Naipe sobrevivência.

Eu nunca vou saber ao certo mas não me importo em apostar como os dias de Max por aqui foram mais enriquecedores para mim que para ele. Fizemos cuscuz e ele comia dizendo “muito bom”, surpresíssimo com as pessoas que banham o cuscuz de café e o devoram assim, encharcado. Fomos a um barzinho e, além de nossos amigos, ele também foi apresentado a cachaça Lira.

Enquanto ele confundia a pronúncia de Aracaju com acarajé, nossos empecilhos linguísticos eram muito mais complexos. Eu não conseguia não me sentir estúpida tentando arranhar qualquer frase simples em inglês. No sábado, enquanto ele mostrava no mapa para meu pai os mais de 14 países pelos quais passou, eu preparava tapiocas que não ficaram tão boas mas que ele curtiu e quis saber do que era e como era feito. Confesso que recorri ao Google.

Nesse dia o passeio foi longo: depois da panelada, conheceu o Encontro dos Rios e provou manjubinha frita no Flutuante – disse que era melhor que os grilos que provou no Chile. Fazia 36 graus e quando fizemos a conversão de celsius para farenheit ele quase desmaiou: “Uau!”. A máxima em San Francisco é 25 e as pessoas nem vão trabalhar passando mal, me contou. Ah, vale aqui uma nota para o fato de que eu nunca tinha ido ao Flutuante. Nunca, em 26 anos de Teresina. De repente, Max estava apresentando minha cidade para mim mesmo.

Também teve parada no picolé Amazonas, no Mafuá, onde ele torceu o nariz para bacuri mas adorou o sabor coalhada (menos quando soube que era leite azedo). Mas, entre todas as paradas, elencou o Abraham juice como o the best place. Apontou as teias de aranha nas garrafas de bebidas esquecidas nas prateleiras e disse: “Style”.

Max não era assim alguém exatamente difícil de agradar. As respostas que mais repete em português são “tranquilo” e “de boa”. Reparei que não usa relógio e, na maioria das vezes, saia de casa sem celular. Não havia pressa em partir, nem tampouco o compromisso de ficar. Eu olhava a sua moto estacionada e só via liberdade.

Teve algum momento em que me cansei de perguntar sobre os EUA – acho que foi entre ele sentar no sofá e me mostrar uma porção de fotos dos lugares por onde passou. Chile, Panamá, México, Venezuela, etc. Fogueiras, barraca, estrada, estrada, estrada de novo – a imagem da moto no centro de uma estrada de terra a perder de vista era sua preferida, me confessou: “És como se nunca tivesse un fim”. Novos velhos amigos, cachaça, picos de skate, cachoeiras, montanhas, favelas. Estrada de novo. Foi quando percebi a fluidez de uma nacionalidade. Encontros são mais que carimbos no passaporte e Max há um bom tempo deixou de pertencer a um lugar para ser o mais perto do conceito de cidadão do mundo que eu já conheci.

Max quis saber como era feita a castanha que compramos no semáforo, perguntou porque os prédios por aqui são azuleijados (?) e  me explicou porque carambola chama-se starfruit in english. Talvez tenha sido pouco tempo, talvez acreditamos que esse tempo podia parar quando vimos o sol nascer na piscina, discutindo a ocupação da América pelo homem pré-histórico (“Do you know Niede Guidon?”). Ele parecia tão curtido.

É estranho pensar que não sabemos se um dia nos veremos de novo – ignorando o fato de que sequer imaginei um dia conhece-lo. E, de repente, agora, a ideia de perde-lo soa triste. Max adora fotografia e por todos os cantos dessa casa tem uma câmera, o que torna muito patético pensar que não tiramos sequer uma foto. Mas não chego a lamentar, porque fotos não conseguiriam reproduzir o seu sotaque nem sequer trariam o jeito esquisito de franzir o olho esquerdo quando se enrolava pra dizer algo até ceder: “Ah, non sei”.

As 3 da tarde ele partiu sem olhar pra trás.

Preciso urgentemente escrever algo que responda o que é cultura e estou seriamente pensando em mandar esse texto.

Obrigada, Max.

Agora, um blues: