Tenho uma amiga que trabalha dois turnos, malha, faz balé, prepara a própria comida e ainda faz a sobrancelha no salão a cada quinze dias. Eu admiro, queria estar: no peso ideal e por dentro das polêmicas do facebook. Meus outros amigos que não trabalham ou estudam (porque ninguém é obrigado), estão por aí acompanhando a agitada vida noturna da cidade, o que, também admito, exige invejável esforço.

Tem essa sensação, que é muito real e cruel, do mestrando ver a vida passando ao seu lado e só observar. Sim, é verdade. E olha que eu só tenho aula três vezes na semana, pago um estágio e faço uns freelas. Minha ex-chefe terminou o mestrado dividindo a rotina com três empregos, dois cachorros e uma dissertação – e estava sempre maquiada, vestido passado e disponível 24h no whatsapp.

Eu não tenho uma meta, sempre estou a um passo de perder os prazos. Mas isso não quer dizer que não me esforce. Assim como eu, meus livros sempre chegam com um mês de atraso às discussões, minhas roupas perderam as expectativas, a sobrancelha saiu da linha e minha bicicleta cansou de esperar o dia em que sairia para passear.

Lembrando um pouco de que sim, um mundo externo existe, de vez em quando vale a pena pegar o carro, cair na estrada, e ver o mundo sob a ótica da embriaguez. É ali, numa bodega de calçada, com meia dúzia de pessoas escolhidas a dedo, que você se dá conta do quanto é pertinente debater a origem semântica do “ó do borogodó” e se o método de almoçar criando barreiras entre os ítens no prato – ou misturar o feijão com o arroz até que não se distinguam – diz algo relevante sobre o jeito de ser de cada um de nós. Dadas as conclusões, pode voltar para casa sentindo-se vivo – como o cão que quase salta a janela ouvindo o vento passar, fechando os olhos, sorrindo.

Tem algo de muito urgente e belo em tudo isso.