Primeiramente (fora, Temer!), eu fui ao cinema sozinha e recomendo demais. Uma experiência antropológica, reveladora e surpreendente, desde o momento em que você se pega pedindo duas poltronas pra moça do caixa, por pura força do hábito, até encarar o olhar das pessoas (cadê a companhia dela?) e perceber que, mesmo em pares ou turmas, elas estão tão sozinhas ou mais que você.
Em segundo lugar, eu vou falar aqui do filme A cabana, considerado um horror pela crítica, mas que mexeu muito comigo e, apesar do clichezão, vale muito pela mensagem. Tem spoiler, mana, toma teu rumo se tu ainda não viu ou, se não se importa, segue o enterro.
Vamos esquecer aqui o teor religioso e a carga melodramática do filme, ok? O filme é isso, também, mas não é só isso. Como uma fala que ouvi da Octavia Spencer, atriz lindíssima, com cara de mãe da gente, que interpreta deus, em uma entrevista: “As pessoas que tiveram uma reação negativa a um filme sobre deus talvez sejam as que realmente precisem vê-lo”. Concordo muito.
Deus é uma mulher, mas também se apresenta em forma de homem carpinteiro, e menina, jardineirinha, sensível e doce. Mas pra mim fica muito forte a força do deus mulher. Da deusa. Não sei se por um momento pessoal de encarar o ser mulher de outros modos, de lidar com outras angústias. Repare que é um filme inspirado num livro escrito por um homem, dirigido por homem, protagonizado por homem. Mas quem brilha para mim o tempo todo são as mulheres. Tem uma cena belíssima, depois que a Missy desaparece (a filhinha do Mack e da Nan) e ele fica desesperado. Mantém a compostura por ser “homem”, mas depois, quando ninguém está vendo, ele desaba no colo de quem? Da Nan, sua esposa. É tão lindo ela consolando ele, dizendo que ele não tem culpa e sendo forte. Mais forte do que todo mundo ali junto. Quando ele sai, depois de revelar toda a fragilidade, ela, que estava segurando a onda, desmorona.
Depois disso a história corre em anos, e vemos uma família quase desestruturada pelo trauma. A filha mais velha tem sequelas emocionais, o pai nunca mais foi o mesmo, o filho perde a confiança. Quem está lá segurando as pontas? Isto mesmo, Nan, a mãe e esposa. É ela que leva a menina atrás de um terapeuta, faz as compras, dirige, enquanto o marido, que nunca acreditou em deus, tá lá, arrasadinho, olhando só para a própria dor.
Para completar, tem a deusona mara. O papa, ou Elouisa, que mora numa casa de campo belíssima, parecendo aqueles bosques de sonho de criança. Ela cozinha, canta, tem a fala afetuosa e passa muita calma só com o olhar. Está sempre bem vestida, cabelo arrumado e sobrancelha feita. Adoro a cena em que ela tá na varanda de óculos escuro, tomando um sol, e o Mack chega com a sua revolta e deboche: “e deus tem tempo para tomar sol?”. Ela rebate: “Se você soubesse o quanto eu estou fazendo só aqui, parada, neste minuto”.
É muito isso, sabe. Todas as mulheres maravilhosas que eu conheço são também um pouco deus. Porque elas fazem tudo isso e muito mais, mas não por isso – porque elas tem que lidar diariamente com essa descrença dos homens. Acaba sendo duas batalhas, sabe. E é muito cansativo, mas a gente tá de boa. A gente é superior. Desculpa man, mas a gente tá num outro patamar da escala evolutiva.
Preste atenção como o menino carpinteiro (que parece o Criolo, só que magro) é muito menos persuasivo que a Sininho vestida com roupas da Farm (desculpa, gente, sou péssima com nomes de personagens). Mas o discurso dele tem muito mais poder, tem uma certa broderagem ali entre Mack e ele. Só que, quem é que acaba levando Mack pro jardim onde, para mim, se passa a mensagem e o acontecimento principal do filme? Isso mesmo, a Sininho hippie. Que fica brilhando de um lado pro outro – o que achei irritante – mas não deixa de ser fofa.
O jardim é super metafórico – precisamos arrancar a erva daninha para fazer brotar o bem, etc. Mas o que achei mais bonito, e que acho que também emociona Mack, é perceber que, enquanto ele se revoltava, desacreditava, e teimava, eles (os deuses, ou o deus em suas várias versões), nunca pararam de trabalhar por ele: “amanhã teremos uma celebração super importante”. Eles tinham fé. E estava lá o caixão todo de madeira fina, as flores e lágrimas colhidas, etc. Tudo arrumado com muito carinho e atenção, enquanto Mack se reclamava e sofria imerso na sua própria arrogância.
“Quando tudo que consegue ver é a sua dor, você me perde de vista”, diz ele mesmo, deus. Nossa, como isso é certo. Quis abraçar o papa nessa hora, e o Mack e todo mundo, porque me identifiquei horrores. Qual a nossa base pra dizer o que é bom ou ruim? Alguma vez você já se enganou? Você é seu próprio juíz? Não me lembro agora se quem traz esses questionamentos é a Sininho (a criatividade) ou a Sabedoria (que no filme é a Alice Braga). Seja quem for, obrigada. Serviu muito pra mim.
Gosto de pensar que sou também aquele jardim: belo, encantado, mas uma tremenda confusão. Não procuro coerência em mim, mas procuro, sim, deus em tudo. E é bom senti-lo, todo dia, na minha constante evolução.