Quando cheguei a São Paulo, não conseguia respirar. Atribuí a fumaça dos carros, ao tempo sempre seco, a poeira que levanta quando ando, desatenta, dentro de uma construção. Não era nada disso – ou, quem sabe, era, também. Eu, você, e aquelas pessoas que lotam as sessões de ioga, desaprendemos, todos, a respirar.

É deprimente pensar que a pressa do mundo e, dentro dela, nossa particular ganância, fizeram a gente fazer errado a única coisa fundamental para se viver. Respirar, sob o aspecto fisiológico, é apenas um entra e sai de vento por alguns dos sete buracos da nossa cabeça. Tão simples quanto subestimado – talvez porque presumimos saber desde que nascemos. E, no entanto, se tivéssemos a consciência, quando bebês esquisitos expulsos do ventre da mãe, de que a dor de estrear os pulmões zerinhos é muito inferior a não conseguir preenche-los de ar, abriríamos menos o berreiro.

O fato é que com ou sem choro chegamos aqui – e aqui já parece um lugar longe demais para se lembrar um dia de como tudo foi antes. Sinto o tempo passar no cabelo que cresce, na coluna que começa a doer, na figura de meu pai mais magro na fotografia, no infinito da espera dentro de um elevador. Não sou eu que estou envelhecendo, são meus sonhos que correram mais rápido do que sou capaz de alcançar.

Não quero ser alguém que anda veloz e cruza a rua ignorando o sinal fechado, tão absoluto e certo de uma compaixão oposta a rapidez da pressa. Leva tempo para ser humano. Aliás, o meu tempo não é o dos homens. Só o troco por coisas muito preciosas como conversa fiada, dedicatória de livro, disco com faixa arranhada.

“A vida pra você é uma coisa sem sentido?”, perguntaram-me há tantos dias e eu respondo somente agora: muito pelo contrário. Há um profundo sentido para estarmos aqui, às três da tarde, do outro lado do lugar de onde viemos, compartilhando a existência e o café. Você pode me achar maluca e tem até certo interesse pelas coisas que eu digo – boa parte pela estranheza delas – mas seus olhos denunciam certa falta de esforço pra compreendê-las.

Me recuso a naturalizar o corpo embrulhado no chão que, pela sequência de dias, já faz parte da paisagem ordinária e feia. Por trás da manta velha e desbotada – pelo tempo – há alguém tentando se ajustar a nossa lógica cruel e perversa de aceleração – alguém cujo tempo é só uma questão de faz sol ou vamos morrer, na rua, de frio. Tropeço e sinto e julgo aqueles que passam dormentes – sabendo que é só uma questão de tempo para que eu esteja lamentavelmente igual.

Resistir será sempre o mais difícil e a própria história mostra que a teimosia não foi arma capaz de deter a imposição do tempo. Não parece muito inteligente hoje ser alguém que escreve cartas, que espera para ir à banca, na manhã seguinte, ler aquilo que aconteceu ontem – e ontem já é muito longe – na capa dos jornais. Por outro lado, se o que tem a me oferecer como opção esperta é uma corrida maluca, sem fulga para os delírios, sem folga pro desequilíbrio, sem tempo para o café: passo. Sou forte, sou por acaso. E o meu tempo para.