Eu estou completamente envolvida com esse filme. A metáfora do jogo de tênis como um simulacro da nossa disputa de poder diária, por si só, já é perfeita – nem precisava ser história real, mas é, e isso deixa tudo ainda mais empolgante. A coisa chega ao ápice quando lança assim na cara o empoderamento feminino, em toda a sua dimensão: profissional, amorosa, sexual. Eu sei que Billie Jean King ainda tá bem viva, então fica expresso aqui publicamente o meu desejo de abraça-la por um pequeno momento.

 

Tenho pensado muito na vida como os ringues diários que enfrentamos. Nós, mulheres. Não só por ter visto esse filme, mas por todos os 7×1 do dia a dia. Lendo o livro da Rebecca Solnit (A mãe de todas as perguntas), me convenço de que o segredo está, realmente em dois pontos: empatia e resiliência, embora a autora não use exatamente essa palavra. Empatia o trabalho de contar histórias me ensinou ser condição necessária. Resiliência se resume aqui na capacidade de entender que nem todas as perguntas precisam necessariamente de uma resposta. No estágio seguinte a gente aprenderia a responder perguntas com outras perguntas abertas.

Por outro lado tem a terapia me dizendo a todo instante que preciso me posicionar, preciso parar de usar minha própria sobriedade contra mim mesma – na maioria das vezes eu não me importo com a pequenez das pessoas e até entendo que suas ações e pensamentos têm relação maior com o que elas projetam para si e eu não posso e nem devo tentar dar conta disso. Mas, de alguma forma, me incomoda ser avaliada o tempo todo por uma subjetividade de critérios duvidosos. Esse poder pequeno, que deduzem me interessar, está na verdade a léguas de distância do que realmente pretendo, mas não sei mais de que forma comunicar isso nem o que me acrescentaria.

Agora entendo o que a Danny Barradas me disse, numa entrevista maravilhosa, sobre a sua condição de trans: “Nós, que pertencemos a grupos estigmatizados, precisamos ser o melhor em tudo o que fazemos”. Na hora achei a afirmação problemática por poder ser interpretada como reforço de um preconceito, mas agora, conectando tudo, entendo o que ela quis dizer. Não basta sermos apenas boas. Temos que ser excelentes. Não basta sermos inteligentes – temos que ser bonitas também. Não basta sermos profissionais se abrimos mão da maternidade. Quer dizer, nem o direito ao próprio corpo, aquilo que tenho de mais meu no mundo, me é dado – o papel de elevador da humanidade me foi imposto desde a hora em que nasci, do ventre da minha mãe, que, por acaso, também não pôde ser só dela.

As tenistas mulheres do filme, lá nos anos 70, não podiam se dar ao luxo de apenas jogar: para romper com a Associação de Tênis dos Estados Unidos, que pagava aos homens 9x o valor do cachê feminino, elas tiveram que montar a própria liga, vender ingressos, buscar patrocínio, porque somente ser boa no que faziam não era suficiente.

Me sinto cansada como a Billie Jean King na quadra – a dor de não poder ser quem se é, ser a todo instante subestimada e ter que carregar o receio de ser punida por uma sociedade opressora, de algum modo, simplesmente por deixar escapar qualquer tipo de emoção. Tenho vontade de gritar que absolutamente tudo o que um homem faz, nós conseguimos fazer mais, de forma melhor, gentil e mais organizada, mesmo sangrando (se você tiver bom senso vai entender que não se trata aqui de generalização). Vai chegar o dia em que todas nós, mulheres, vamos poder erguer a raquete sem sentir todo o peso da desigualdade – eu acredito.