Por André Gonçalves

São tempos difíceis para se falar de alegrias, conquistas, vitórias. Tempos difíceis para sonhadores, poetas e bailarinos. São tempos em que dizer “vamos sobrevivendo” deixou de ser uma expressão hiperbólica em conversa de fim de tarde e passou a ser o mais puro retrato da realidade da enorme maioria de brasileiras e brasileiros.

Essa edição #49 de Revestrés chega tentando, mais uma vez, trazer um respiro. Tentando fazer com que consigamos lembrar de quem somos, de quem fomos, e também lembrar de quem queremos ser amanhã. Porque em meio a tanta coisa, volta e meia nos esquecemos de que em meio a tantas e tantas perdas, perdas de pessoas queridas, de alegrias, de adiamento de sonhos e desejos e de luta pela sobrevivência “concreta”, estamos ainda respirando e que isso é o que nos mantém de pé.

Trouxemos então para nossas páginas um pouco do muito que tem sido feito, pensado, criado e vivido em meio ao medo.Trouxemos, por exemplo, a coragem e a inteligência cortante de Letícia Carolina: “travesti, negra, gorda e do candomblé”, a primeira professora trans da Universidade Federal do Piauí enche nossas páginas em uma entrevista encantadora pela força e pela capacidade de se entender no mundo, mesmo quando se dá a oportunidade de ser “uma mulher de 30 anos bebendo com amigues”, coisa que, muitas vezes, muita gente não tem como ser.

Como coragem é mais do que nunca palavra de ordem, conversamos com outra mulher que empurra o medo para o canto e se joga na luta: uma mulher Preta. Preta Ferreira fala de sua prisão absurda sem provas, mostra sua luta por justiça e pergunta, justificando seu engajamento político: “como posso ser livre se vejo meu povo morrendo toda hora, se meu povo está sendo assassinado por comida, enquanto tem gente morrendo sem ar?”. Preta é um pouco, ou muito, cada pessoa sobrevivendo nesse país.

Quer mais mulher, coragem e luta? Temos! Célia Gpmes, feminista, negra e ex-trabalhadora sexual também conta sua história e mostra a importância do engajamento e da capacidade de seguir em frente para transformar a nossa vida e a vida de quem está perto de nós.

Para lembrar quem fomos e resgatar quem queremos ser, nosso ensaio fotográfico traz uma viagem no tempo: fotografados por Assaí Campelo, vários personagens da cultura piauiense, da música, da dança, do teatro, das artes visuais, retornam em imagens que chegam a comover pela espontaneidade e pela promessa de vida e esperança que revelam.

Em Campo Maior, no interior do Piauí, uma antiga prisão é transformada em escola de música. E mostramos aqui um pouco dessa história, sonhando que isso acontecesse todos os dias nesse país. Também do Piauí, o nosso cuscuz, amarelinho e com alma nordestina, coloca cor (quem dera também tivesse como ter o sabor)  em nossas páginas. Mostramos que mais um passo para descobrir quem fomos pode ter sido dado com a descoberta de um novo sítio arqueológico no sertão piauiense, na Pedra do Letreiro.

E entre várias outras coisas, nossa reportagem não poderia deixar de tocar em um assunto que dominou  – e ainda está nas discussões de artistas e produtores culturais piauienses – a pauta artística e cultural do Piauí: “cadê o contrato que estava aqui”, perguntamos, ao tratar sobre o então anúncio da Prefeitura de Teresina de mudança na forma de apoio e contratações a grupos de dança, Orquestra Sinfônica de Teresina e vários outros produtores culturais e associação. Uma discussão que apenas começou, e segue precisando de atualização e debate.

Seguimos então acreditando e batalhando. Essa é a Revestrés #49 que, esperamos, lhe ajude a seguir em frente. Mais uma vez, esse é o nosso recado. Não pare de acreditar.

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Editorial da Revestrés#49.

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