(Por Samária Andrade)

Zoraide lamentou não ter flores. Eu me ofereci pra dividir com ela as que comprei na noite anterior. Era uma forma de retribuir a carona até a Esplanada dos Ministérios no dia do depoimento da presidenta Dilma, aquele que durou 14 horas.

Zoraide não aparenta a idade que tem: 74 anos. Dirige loucamente, estaciona mal, tem pressa de chegar perto do congresso, embora peça sorrindo: “meninas, andem mais devagar, eu tô velha”. Mas quem era aquela mulher com quem conseguimos carona e oferecemos companhia de protesto?

Zoraide foi presa pela ditadura militar em 1970, em Minas Gerais, mesmo período de Dilma. Seu marido, considerado “guerrilheiro” pelo regime, havia fugido. Com filha pequena e imaginando-se fora de perigo, Zoraide ficou. Militares bateram em sua porta e a levaram. Zoraide passou dois anos presa, foi torturada, desencontrou-se do marido e reencontrou um amor do passado que, estudando para ser padre, achou de mais valia deixar o seminário e visitar Zoraide na prisão. Estão juntos até hoje.

Zoraide não gosta de lembrar essas histórias, diz que chora ao ouvir algumas músicas e acha que leva marcas que não vão cicatrizar.

Mas Zoraide quis ir pra rua. Em frente ao Congresso, rever amigos, muitos a cumprimentam. Não é uma estranha na paisagem. Quando, no discurso, Dilma embarga a voz, eu e minha amiga choramos. Zoraide resiste.

Não conseguimos entregar as flores. Há policiamento e não nos deixam aproximar do Senado, o que vai obrigar Zoraide a um longo percurso de volta até o carro.

Na carona de volta, ao descer do carro, deixo parte das flores no banco de trás. Não digo a Zoraide, mas as flores são para ela. Espero que as tenha encontrado e compreendido.

Obrigada, Zoraide. Quando reencontrá-la quero lhe abraçar e falar: nós vamos resistir!