Por Samária Andrade

Quando, na edição 34 de Revestrés, fizemos uma autocrítica, enfatizando a relação entre jornalismo e mulher na nossa produção jornalística, encontramos dados que nos surpreenderam negativamente. Chama-se metacrítica a análise que, antes de ser dirigida a um objeto externo, busca enxergar a si próprio como uma tentativa de se avaliar e na intenção de que essa ação se converta em um novo jeito de fazer, constituindo-se em uma busca de sentidos éticos ao exercício da profissão. (Para ver mais sobre metacrítica no jornalismo leia: https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/viewFile/984/927.  Para ver a matéria autocrítica da Revestrés acesse: https://revistarevestres.com.br/reportagem/me-too/).

Hoje, com a acelerada midiatização da sociedade, quando as tecnologias, os meios e formas de comunicação se espalham por todos os terrenos, o jornalismo fica mais exposto, exigindo, em consequência disso, um exercício metacrítico.

Em geral, o jornalismo brasileiro não tem feito esforços suficientes nesse sentido. É possível argumentar que o próprio meio de comunicação virou produto da indústria midiática, necessitando ser vendido. E quem vai ficar apontando os erros do que deseja vender, não é verdade?

O próprio meio de comunicação virou produto da indústria midiática, necessitando ser vendido. E quem vai ficar apontando os erros do que deseja vender, não é verdade?

Maia, Drumond e Aniceto (2017, link citado acima), buscando o que justificaria essa demência na autocrítica jornalística apontam a cumplicidade comercial e política de parcela expressiva das mídias tradicionais, que nos coloca diante de um quadro no qual a (auto)crítica foi subsumida pela “privatização” da profissão.

Os mesmos autores, por outro lado, avaliam que é também possível perceber a potência do trabalho crítico desenvolvido no campo jornalístico. Seguindo esse raciocínio, citam como pontos favoráveis os observatórios de imprensa (produzidos por profissionais da área ou cidadãos interessados nesse debate); a prática dos ombudsman (que no Brasil nunca se estabeleceu de modo sólido) e também a crítica de caráter acadêmico. O jornalismo já é um tema estudado por diversos campos, como Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Linguística – muitos desses estudos adotam perspectivas críticas que ajudam a analisar o jornalismo. Não seria um desperdício se o próprio ensino do Jornalismo abrisse mão desse tema?

Mas o maior espaço de oportunidade para a autocrítica jornalística ultimamente pode ser encontrado nas contranarrativas que as mídias alternativas têm interposto no fluxo de informações da mídia corporativa. Algumas dessas críticas são explícitas e feitas de modo sistemático, outras são difusas e outras ainda empregam uma ação performativa, que não apenas rejeita o que é veiculado na chamada grande mídia, mas testa formatos e coloca ações em prática, negando o instituído. Ainda que esses formatos e ações também possam ser merecedores de críticas, eles ajudam a dar emergência e visibilidade a um panorama metacrítico no interior do campo do jornalismo.

Sabemos que não é fácil colocar-se como objeto de si mesmo. A Revestrés levou 34 edições e quase seis anos de produção para perceber a importância da empreitada. Outro ponto importante foi tornar a discussão pública, buscando interação com os leitores (aquela autocrítica interna já é obrigação e nem se fala mais disso).

Em recente atividade na universidade, quando se discutiu a autocrítica de Revestrés exposta na reportagem citada, foi-nos perguntado se a escolha de uma mulher transexual como entrevistada na edição seguinte à pesquisa teria sido influência desta. Certamente, pois uma autocrítica deve tentar provocar modificações, ou não terá cumprido de fato o seu papel . E essa é uma discussão que não se encerra: a prática metacrítica deve ser uma constante, como um caminho que pode contribuir para se enfrentar uma burocratização na profissão.