Como tudo começou, nem eu mesma sei. Foi num relance, fração de segundos, meus olhos seduzidos pelo sorriso dela. Um sorriso enigmático e provocador, expresso em plena sala de aula, de forma bem sutil, sutilíssima. Daqueles que nos amolecem todinha por dentro, sem escapatória. Ninguém percebeu, na turma, mas sabia que era pra mim. Essas coisas não precisam ser ditas, a gente sente de longe, e fica paralisada, esperando ter certeza. Pura ingenuidade, pois os sinais haviam sido dados. Voz mansa comigo. Alegria nos encontros.  Cumprimentos afetuosos. Atenção em meu aprendizado, sobretudo. Sem gosto pelos livros, tinha dificuldade em escrever. Depois do convite implícito, já feito algumas vezes, como recusar aulas de redação em seu apartamento? Tudo lá, acredite, transpirava poesia e envolvimento. Invés de regras, no primeiro dia, ouvi textos de Hilda Hilst e Adélia Prado. Maravilhada, deixei-me possuir tanto por belas palavras quanto por mãos tarimbadas na arte do amor. Dali em diante, um mundo novo se descortinou para mim, mais envolvente e prazeroso. A ponto de dizer hoje, ó bendita a que educa, em todos os sentidos, virgens na tessitura das letras e no gozo dos corpos, síntese divina de múltiplos orgasmos. Respondendo essa bendita, no meu caso, pelo singelo nome de Sandra, professora das mais competentes em sua área, a desafiadora língua portuguesa. De seus apetitosos lábios, nunca esquecidos, ouço ainda Porque há desejo em mim, da poeta paulista, sem antes ficar molhadinha.

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.

Antes, o cotidiano era um pensar alturas

Buscando Aquele Outro decantado

Surdo à minha humana ladradura.

Visgo e suor, pois nunca se faziam.

Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo

Tomas-me o corpo. E que descanso me dás

Depois das lidas. Sonhei penhascos

Quando havia o jardim aqui ao lado.

Pensei subidas onde não havia rastros.

Extasiada, fodo contigo

Ao invés de ganir diante do Nada.

Embora difícil de compreensão, achava tudo muito bonito, inda mais exercitado na prática, por nós duas, ela sussurrando no meu ouvido, com voz sensual, cada verso do poema, arrepiando até a alma, corpo inteiro a ponto de pegar fogo. Da outra, a mineira, de Divinópolis, guardo na memória, de cor e salteado, o texto Sedução, declamado por Sandra abraçadinha a mim, coxas e braços entrelaçados uns nos outros:

A poesia me pega com sua roda dentada

me força a escutar imóvel

o seu discurso esdrúxulo.

Me abraça detrás do muro, levanta

a saia pra eu ver, amorosa e doida.

Acontece a má coisa, eu lhe digo,

também sou filho de Deus,

me deixa desesperar.

Ela responde passando

a língua quente em meu pescoço,

fala pau pra me acalmar,

fala pedra, geometria,

se descuida e fica meiga,

aproveito pra me safar.

Eu corro ela corre mais,

eu grito ela grita mais,

sete demônios mais forte.

Me pega a ponta do pé

e vem até na cabeça,

fazendo sulcos profundos.

É de ferro a roda dentada dela.

Foram muitas descobertas com Sandra, entre outras, a percepção da magia existencial e o saudável hábito da leitura. Sem falar também, não posso esquecer, do desabrochar de uma mulher habilidosa no manejo das palavras e carícias. Pena ter durado tão pouco, coisa de meses, até o ingresso no ensino superior, graças à nota máxima na redação