Fui convidado recentemente a falar sobre um tema do qual gosto muito: a leitura de poesia em sala de aula, tarefa considerada das mais espinhosas por professores e alunos, talvez pelo caráter enigmático e linguagem sucinta que encerra. Comecei dando uma possível resposta à velha e clássica indagação de todos: para que ela serve realmente? Para quase nada, costumo responder, exceto nos embrulhar cabeça e membros, o que já é um bom começo. Então pego Emergência, texto de Mário Quintana, e ponho para eles lerem e refletirem – “Quem faz um poema abre uma janela. / Respira, tu que estás numa cela / abafada, / esse ar que entra por ela. / Por isso é que os poemas têm ritmo / – para que possas, enfim, profundamente respirar. / Quem faz um poema salva um afogado.” Caso persistam as dúvidas, apresento-lhes um poema curtinho de nosso William Soares que, acredito, esclarece tudo direitinho, de forma simples e definitiva: “a poesia não resolve / revolve.”
A partir daí as barreiras levantadas contra a poesia desmoronam de vez. Nesse instante, em que os corações e ouvidos estão receptivos aos textos em verso, nada mais recomendável do que apresentar uns haicais daqueles de tirar a respiração, como este do maranhense Fernando Abreu: “Sempre por um triz / cada poema / uma cicatriz”. Ou, então, um do piauiense Fred Maia, que acho lindo: “Ler em silêncio / ouvir tua voz / poesia entre nós”. Da curitibana Alice Ruiz, craque na construção desses poemas de origem japonesa, destaco um simplesmente fantástico: “Só fico feliz / quando me encontro comigo / mas é tão ambíguo”. Já do carioca Chacal, tenho um que não esqueço jamais: “Deixei meus olhos escorrerem / ao acaso sobre você / e só achei satisfação”. E, para concluir essa viagem com e através do haicai, a pedida é trazer o sensacional Paulo Leminski, uma das figuras responsáveis pela consolidação do gênero no Brasil: “Esta vida é uma viagem / pena eu estar / só de passagem”.
A música, como se sabe, é uma vereda segura toda vez que se deseja chegar ao grande sertão de nossos dessemelhantes. Para tanto, basta mostrar-lhes alguns poemas musicados que se incorporaram ao cancioneiro popular, como é o caso do antológico soneto de Camões – “Amor é fogo que arde sem se ver”, música cantada pela Legião Urbana e que marcou a existência de um montão de gente. Outro por demais conhecido é Go back, do saudoso e querido Torquato Neto, entoado pelo Titãs e que caiu no gosto da rapaziada – “Só quero saber / Do que pode dar certo / Não tenho tempo a perder”. Mas um que tocou fundo a alma de muitos, e sensibiliza até hoje, é Motivo, da eterna Cecília Meireles, interpretada por Raimundo Fagner – “Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa / Não sou alegre nem triste: / sou poeta”. Sem falar de tantos outros ainda, como Canção Amiga, texto de Carlos Drummond de Andrade cantado na belíssima voz de Milton Nascimento, cuja última estrofe é de arrepiar: “eu preparo uma canção / que faça acordar os homens / e adormecer as crianças.”
Mas de todos os recursos, a paródia é um dos que as pessoas mais gostam. O diálogo que os textos estabelecem entre si provoca reflexão e umas boas risadas. Um texto de hoje retomar um do passado, mantendo ou subvertendo a sua ideia original, é algo fantástico e desafiador. Aqui a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, se destaca como a grande fonte de inspiração para muitos poetas, sobretudo, os do modernismo. De Murilo Mendes, temos os cáusticos versos: “Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturamos de Veneza / (…) / Eu morro sufocado / em terra estrangeira. / Nossas flores são mais bonitas / nossas frutas mais gostosas / mas custam cem mil-réis a dúzia.” De Antônio Carlos de Brito, o saudoso Cacaso, desponta o magnífico Jogos Florais: “Minha terra tem palmeiras, / onde canta o sabiá / enquanto isso o tico-tico / vive comendo o meu fubá. / Ficou moderno o Brasil / ficou moderno o milagre / a água já não vira vinho / vira direto vinagre”.
O mais importante nesse trabalho é, a meu ver, desmitificar uma coisa ainda hoje sedimentada na cabeça de muita gente – a de que ler poesia é difícil como amordaçar um lobo. Quando falta apenas, na realidade, uma reaproximação entre leitor e texto poético, – daí a importância de se ter sempre um livro de poesia na cabeceira da cama -, nascendo desse convívio uma intimidade salutar na relação amorosa de ambos. No mais é nunca esquecer, não só nesse caso como em tudo que fazemos na vida, os antológicos versos de Fernando Pessoa: “Para ser grande, sê inteiro: nada / teu exagera ou exclui. / Sê todo em casa coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive”.