Wellington Soares

Coisas e outras

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Vinicius por inteiro

Vinicius

Você pode não acreditar, tudo bem, mas conversei com o Vinicius de Moraes esta semana. Em minha sesta do meio-dia, o encontrava tomando umas doses de uísque no Garota de Ipanema, no Rio. Com humor e a sinceridade de sempre, ele pintou um autorretrato de si mesmo, através do qual passei a conhecê-lo melhor. Além, é claro, de admirá-lo ainda mais. Sonho ou delírio meu, pouco importa. Interessa mesmo é conhecer o “Poeta da Paixão” na intimidade, sem os holofotes da fama que tolhiam sua liberdade.

Por que Vinicius?

– O Quo Vadis, saído em 13, ano em que nasci.

Vem de onde o sobrenome Moraes?

– De Pernambuco, Alagoas e Bahia (que guardo em mim).

Local de nascimento?

– Sou carioca da Gávea, bairro amado, de onde nunca deveria ter saído.

Altura?

– Um metro e setenta, meão, pois.

Colarinho?

– Trinta e nove e o pé quarenta.

Peso?

– Uns bons setenta e três (precisam ser reduzidos…).

Estado civil?

– Fui, sou e serei casado.

Quantos casamentos ao todo?

– Nove.

Lembra do nome de todas elas?

– Beatriz, Regina, Lila, Maria Lúcia, Nelita, Cristina, Gesse, Marta e Gilda.

Avaliação como marido?

– Apesar do que se diz, não me acho tão mau marido.

Filhos?

– Cinco, quatro mulheres e um homem.

Profissão?

– Dizem-me poeta; diplomata eu o sou, e por concurso.

Mais alguma outra?

– Jornalista por prazer, nisso tenho um grande orgulho. Em breve serei cineasta (Ativo).

Religião?

– Sou materialista.

Curso superior?

– Formei-me em Direito, mas sem nunca ter feito prática.

Seria o quê, caso voltasse atrás?

– Gostaria de ser médico, pois sou um médico nato.

E a infância?

– Pobre mas linda, tão linda que mesmo longe continua em mim ainda.

Prefere vitrola ou rádio?

– Vitrola.

Automóvel ou trem?

– Automóvel.

Trem ou navio?

– Trem.

Navio ou avião?

– Navio.

Frutas prediletas?

– Caju, manga e abacaxi.

Quem o levou à poesia?

– Foi com meu pai, Clodoaldo de Moraes, que aprendi a fazer versos.

Chegou a furtar algum poema dele?

– Sim, para dar à namorada.

Com que idade publicou seu primeiro livro?

– Tinha dezenove anos quando lancei O Caminho para a distância.

De qual gosta mais?

– Meu preferido é Poemas, sonetos e baladas.

Toca algum instrumento?

– Violão, de ouvido.

Gênero musical?

– Faço sambas de bossa.

Luta marcial?

– Garoto, lutei jiu-jitsu razoavelmente.

Outra prática esportiva?

– No tiro, sobretudo, em carabina, sou quase perfeito.

Coisas de que mais detesta?

– Viagens, gente fiteira, fascistas, racistas, homem avarento ou grosseiro com mulher.

E das que mais gosta?

– Mulher, mulher e mulher.

Só?

– Sem falar de meus filhos e meus amigos.

Lugar bom para se viver?

– Moro em Paris, mas não há nada como o Rio para me fazer feliz.

Bebida preferida?

– Uísque, com pouca água e muito gelo.

E de dançar?

– Gosto muito também, daí me chamarem boêmio.

Como gostaria de morrer?

– De repente, não mais que de repente, e se possível de morte natural.

O que pediria caso lhe fosse dado o direito de viver outra vez?

– O pau um pouquinho maior.

Um gosto de beijo na boca

para Clarice Lispector

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Tive um namorado a quem amei muito. Um dia, porém, ele me causou uma grande mágoa. Tudo começou quando lhe perguntei se já havia beijado outra garota antes, o que ele respondeu afirmativamente.

Ele contou que seu primeiro beijo acontecera durante uma excursão, quando, sentindo uma enorme sede, encostou seus lábios sedentos a um orifício de onde jorrava água. Ao abrir os olhos, ainda sob o impacto da vida renascendo, percebeu que o filete de água deslizava através da boca gélida da estátua de uma mulher nua.

No momento, adolescente que saboreia pela primeira vez o gosto do amor, bem como corroída por umas pontadas doloridas de ciúme, não pude deixar de me sentir traída e, sem maiores explicações, resolvi acabar ali o meu primeiro namoro, com lágrimas deslizando pelo rosto ingenuamente magoado.

Hoje, mulher já madura e tendo vivido várias relações amorosas, percebo o quanto fui boba. Como pode alguém, afinal, ser traída por uma estátua? Naquele tempo, infelizmente, só vi a traição, incapaz de reconhecer a sinceridade da confissão e a importância do beijo no amadurecimento daquele jovem.

Se o tempo pudesse retroceder, pediria a ele que beijasse meus lábios com a mesma sofreguidão que beijara a boca da estátua, pois, ao longo da vida, nenhum outro homem se doou a mim com a mesma sede.

Címbalos, lutas e olhares

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Nada mais recomendável que abrir este Blog falando de um velho e querido amigo: Emerson Araújo, professor e poeta da melhor qualidade. Natural de Tuntum, interior do Maranhão, onde voltou a residir novamente, ele se formou em Letras na Universidade Federal do Piauí e atuou no magistério de Teresina por anos, lecionando literatura em várias escolas de nossa capital.

Na Federal, fizemos parte da mesma gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE), chapa Espinho, e travamos lutas memoráveis em defesa da melhoria do ensino superior e contra a ditadura militar. Há poucos dias, Emerson voltou à Verde Cap para lançar seu mais novo livro de poesias: Címbalos, lutas e olhares – obra patrocinada pela antiga Fundação Cultural do Piauí (Fundac), através do Sistema de Incentivo Estadual da Cultura (Siec), e com selo da Editora Quimera.

O livro é dedicado ao pai já falecido, Hiran Silva, e conta com a bela apresentação de Assunção Sousa, professora de literatura da Uespi e Ufpi. Após tantos anos sem publicar, o poeta retorna mais amadurecido e zeloso no manejo das palavras, combinando com maestria conteúdo e forma, de tal maneira a sensibilizar o leitor com os seus textos.

Bom tê-lo de volta em livro outra vez, o Emerson Araújo, sacudindo nossas emoções e pondo abaixo algumas certezas. Saravá, poeta!

 

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O tempo parece ter feito bem ao poeta, igualzinho a vinho, pois cada poema lido deixa um gostinho de prazer e leveza na gente. NOVA POÉTICA, em versos metalinguísticos, é um ótimo exemplo disso: “Juntar a palavra medida / Num cálice de diversas linguagens // Sorver em goles pausados / Todas as letras / Todos os sons // Só depois burilar / A palavra rendida na temática / E ofertar ao ávido leitor / Uma fruta lambida.”

Um tema presente nas páginas do livro, abordado por todo grande poeta, é o do lirismo amoroso, mas desprovido, como deve ser, da carga de pieguice e sentimentalidades que infestam a poética nacional. Em Emerson Araújo, o amor brota natural e com delicadeza, sem assustar nem provocar desconfiança na musa inspiradora, como ilustra O NOME DELA:

A palavra que cultivo neste início de verão
Não traz novidades e nem espumas
Há um sol querendo vencer matas secas
Sinais de pés pela estrada
Em lençóis perfumados.

A cantiga de amigo não é minha
Não há vozes profundas nela
Apenas uma mocinha acenando
E um olhar de devorador de estrelas
Pulsação e vertigem no umbral.

Somente o beijo que te dou
Faz poeira e sedição
Há um sol vencido no fim de tarde
Ovelhas no pasto, mulher cortando arroz
O sertão imaginado no nome dela.

Bonito ver o poeta homenagear nos seus escritos, sem cair em louvores estéreis, figuras que o marcaram profundamente, tanto do ponto de vista artístico (Torquato, Borges, Neruda, Rimbaud, Niemeyer) quanto político (Mandela, Marighella) e religioso (Jesus). Ao escritor argentino, ele dedicou um quinteto dos mais bonitos: “Nesse meu tempo de maio / Não sou de mim / Labiríntico / Vou manipulando dédalos / Até o fim”.

Num tributo a Tuntum, Emerson Araújo expressa, em linhas telúricas, sentimentos dolorosos de saudade e crítica: “O poeta canônico volta e meia / Canta a saudade da sua terra / Em versos de extensas frases / Mas o poeta anatômico / Não tem disso não / Ele nem canta / Rabisca palavras ao léu / Para dizer apenas / Que a sua terra é / Um tristecéu.”