para Clarice Lispector

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Tive um namorado a quem amei muito. Um dia, porém, ele me causou uma grande mágoa. Tudo começou quando lhe perguntei se já havia beijado outra garota antes, o que ele respondeu afirmativamente.

Ele contou que seu primeiro beijo acontecera durante uma excursão, quando, sentindo uma enorme sede, encostou seus lábios sedentos a um orifício de onde jorrava água. Ao abrir os olhos, ainda sob o impacto da vida renascendo, percebeu que o filete de água deslizava através da boca gélida da estátua de uma mulher nua.

No momento, adolescente que saboreia pela primeira vez o gosto do amor, bem como corroída por umas pontadas doloridas de ciúme, não pude deixar de me sentir traída e, sem maiores explicações, resolvi acabar ali o meu primeiro namoro, com lágrimas deslizando pelo rosto ingenuamente magoado.

Hoje, mulher já madura e tendo vivido várias relações amorosas, percebo o quanto fui boba. Como pode alguém, afinal, ser traída por uma estátua? Naquele tempo, infelizmente, só vi a traição, incapaz de reconhecer a sinceridade da confissão e a importância do beijo no amadurecimento daquele jovem.

Se o tempo pudesse retroceder, pediria a ele que beijasse meus lábios com a mesma sofreguidão que beijara a boca da estátua, pois, ao longo da vida, nenhum outro homem se doou a mim com a mesma sede.