A história começa da mesma forma que termina o enredo: Luíza espera, sentada nas pedras do cais e cosendo roupinhas para a sua boneca, o retorno da filha Mundoca, que trabalha na cidade. A sina da espera, que leva Luíza, uma das vozes narradoras, à nostalgia do passado, é a característica marcante de Beira Rio Beira Vida, romance do escritor parnaibano Assis Brasil. Através desse recurso, Luíza perpetua não somente a sua como a história das outras personagens, cujas vidas foram sofridas e marginalizadas. A começar pela de Cremilda, sua mãe, mistura de prostituta e empresária, que, almejando ser uma mulher direita, não consegue quem venda uma casa para ela em Parnaíba, mesmo tendo dinheiro e pagando à vista. Como se não bastassem a velhice e o alcoolismo, Cremilda ainda se vê abandonada, inclusive no enterro, por quase todos “os desgraçados” que a procuravam quando jovem, em longas filas. Alguns chegaram a comentar: “enterro sem padre, deve ser uma das mulheres, será a Cremilda?”. Depois vem a de Jessé, garoto adotado por Cremilda após perder os pais, tornando-se o amigo inseparável de Luíza, com quem brinca e compartilha o sonho de um dia ser alguém, nem que para isso tivesse de partir dali, deixando a província em busca de um futuro melhor. Quando volta, agora como embarcadiço, encontra Luíza, a grande paixão de sua vida, grávida e abandonada. Jura dar um jeito naquela situação tão logo retorne de viagem, talvez se casar com ela, promessa não cumprida por ter morrido queimado no barco, preferindo o fogo das chamas aos dentes afiados das piranhas. “O único que quisera mudar sua vida”, reflete Luíza, morreu pobre a ponto de não ter sequer um paletó esmulambado para cobrir seu corpo frágil. Outra, constantemente lembrada, é a de Nuno, marinheiro a quem Luíza entrega pela primeira vez o corpo e, em definitivo, o coração. Dessa relação, a exemplo do que acontecera com a mãe, nasceu também uma menina, de nome Mundoca, que apresentada não teve o reconhecimento do pai. Nuno ainda apareceu algumas poucas vezes em Parnaíba, até sumir sem deixar rastro, nem mesmo um retrato na sinistra galeria de homens que enfeitavam a casa daquelas “putas”. Mundoca, por seu lado, aparece como um arremedo de gente, desprovida de projeto existencial, envolta num atroz mutismo e fumando o cachimbo despreocupadamente. Apesar de feia e desengonçada, recusa proposta de casa montada caso se tornasse rapariga do padrinho, optando por ficar sozinha e acompanhar a mãe no desamparo da velhice. Diante das pressões, quebrando o longo silêncio, sai com um palavrão que sintetiza toda sua psicologia de revolta e conformismo: “Vá pro inferno”. Seu diferencial está em ter rompido a saga de prostituição da família, pondo abaixo o determinismo genético. “Tudo teria um fim com Mundoca, aquela dinastia do cais. Aquele destino do cais.” Quanto a Luíza, já velha e aposentada do comércio da carne, rememora, com dor e certa nostalgia, o passado ao lado da mãe, as brincadeiras no cais, a primeira menstruação (que ela achava ter se cortado), a esquisitice da filha, a amizade devotada a Jessé e o amor sublimado a Nuno. O sossego para tanto padecimento e solidão vinha de Ceci, a companheira de longas datas, da meninice ao presente de infortúnio: “Se ela (Mundoca) soubesse como Ceci consola a gente.”
Coisas e outras

Poesia sempre
Fui convidado recentemente a falar sobre um tema do qual gosto muito: a leitura de poesia em sala de aula, tarefa considerada das mais espinhosas por professores e alunos, talvez pelo caráter enigmático e linguagem sucinta que encerra. Comecei dando uma possível resposta à velha e clássica indagação de todos: para que ela serve realmente? Para quase nada, costumo responder, exceto nos embrulhar cabeça e membros, o que já é um bom começo. Então pego Emergência, texto de Mário Quintana, e ponho para eles lerem e refletirem – “Quem faz um poema abre uma janela. / Respira, tu que estás numa cela / abafada, / esse ar que entra por ela. / Por isso é que os poemas têm ritmo / – para que possas, enfim, profundamente respirar. / Quem faz um poema salva um afogado.” Caso persistam as dúvidas, apresento-lhes um poema curtinho de nosso William Soares que, acredito, esclarece tudo direitinho, de forma simples e definitiva: “a poesia não resolve / revolve.”
A partir daí as barreiras levantadas contra a poesia desmoronam de vez. Nesse instante, em que os corações e ouvidos estão receptivos aos textos em verso, nada mais recomendável do que apresentar uns haicais daqueles de tirar a respiração, como este do maranhense Fernando Abreu: “Sempre por um triz / cada poema / uma cicatriz”. Ou, então, um do piauiense Fred Maia, que acho lindo: “Ler em silêncio / ouvir tua voz / poesia entre nós”. Da curitibana Alice Ruiz, craque na construção desses poemas de origem japonesa, destaco um simplesmente fantástico: “Só fico feliz / quando me encontro comigo / mas é tão ambíguo”. Já do carioca Chacal, tenho um que não esqueço jamais: “Deixei meus olhos escorrerem / ao acaso sobre você / e só achei satisfação”. E, para concluir essa viagem com e através do haicai, a pedida é trazer o sensacional Paulo Leminski, uma das figuras responsáveis pela consolidação do gênero no Brasil: “Esta vida é uma viagem / pena eu estar / só de passagem”.
A música, como se sabe, é uma vereda segura toda vez que se deseja chegar ao grande sertão de nossos dessemelhantes. Para tanto, basta mostrar-lhes alguns poemas musicados que se incorporaram ao cancioneiro popular, como é o caso do antológico soneto de Camões – “Amor é fogo que arde sem se ver”, música cantada pela Legião Urbana e que marcou a existência de um montão de gente. Outro por demais conhecido é Go back, do saudoso e querido Torquato Neto, entoado pelo Titãs e que caiu no gosto da rapaziada – “Só quero saber / Do que pode dar certo / Não tenho tempo a perder”. Mas um que tocou fundo a alma de muitos, e sensibiliza até hoje, é Motivo, da eterna Cecília Meireles, interpretada por Raimundo Fagner – “Eu canto porque o instante existe / e a minha vida está completa / Não sou alegre nem triste: / sou poeta”. Sem falar de tantos outros ainda, como Canção Amiga, texto de Carlos Drummond de Andrade cantado na belíssima voz de Milton Nascimento, cuja última estrofe é de arrepiar: “eu preparo uma canção / que faça acordar os homens / e adormecer as crianças.”
Mas de todos os recursos, a paródia é um dos que as pessoas mais gostam. O diálogo que os textos estabelecem entre si provoca reflexão e umas boas risadas. Um texto de hoje retomar um do passado, mantendo ou subvertendo a sua ideia original, é algo fantástico e desafiador. Aqui a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, se destaca como a grande fonte de inspiração para muitos poetas, sobretudo, os do modernismo. De Murilo Mendes, temos os cáusticos versos: “Minha terra tem macieiras da Califórnia / onde cantam gaturamos de Veneza / (…) / Eu morro sufocado / em terra estrangeira. / Nossas flores são mais bonitas / nossas frutas mais gostosas / mas custam cem mil-réis a dúzia.” De Antônio Carlos de Brito, o saudoso Cacaso, desponta o magnífico Jogos Florais: “Minha terra tem palmeiras, / onde canta o sabiá / enquanto isso o tico-tico / vive comendo o meu fubá. / Ficou moderno o Brasil / ficou moderno o milagre / a água já não vira vinho / vira direto vinagre”.
O mais importante nesse trabalho é, a meu ver, desmitificar uma coisa ainda hoje sedimentada na cabeça de muita gente – a de que ler poesia é difícil como amordaçar um lobo. Quando falta apenas, na realidade, uma reaproximação entre leitor e texto poético, – daí a importância de se ter sempre um livro de poesia na cabeceira da cama -, nascendo desse convívio uma intimidade salutar na relação amorosa de ambos. No mais é nunca esquecer, não só nesse caso como em tudo que fazemos na vida, os antológicos versos de Fernando Pessoa: “Para ser grande, sê inteiro: nada / teu exagera ou exclui. / Sê todo em casa coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive”.
Desafinando o coro dos contentes
Ao contrário dos 367 deputados que disseram SIM à admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma, no domingo passado, dia dos mais vergonhosos de nossa história republicana, a ponto de virarmos uma grande chacota no plano internacional, quero expressar meu veemente NÃO a aspectos deploráveis, para não dizer absurdos, daquela triste sessão da Câmara, justo na data em que, há 20 anos, em pleno governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil presenciava, indignado e perplexo, o massacre de Eldorado de Carajás, no Sul do Pará, quando 19 trabalhadores sem-terra, de maneira covarde e impiedosa, foram mortos por forças policiais, ainda hoje impunes e desfrutando da vida normalmente.
Por não aceitar o cinismo de Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, político sem estatura moral e ética para presidir absolutamente nada, corrupto por natureza, dono de contas milionárias na Suíça, sem falar de réu no Supremo Tribunal Federal, movido por deplorável sentimento de vingança, bem como uma tremenda fome de poder, daqueles capaz de pisar no pescoço da mãe a fim de atingir seus objetivos, sem um pouco de escrúpulo nem humildade, um cara de pau de sorriso debochado e zombeteiro, incapaz de se alterar mesmo ao ser chamado de gângster, que pra ele soa como elogio, serviçal de banqueiros e amigo de fascistas, meu voto simbólico é NÃO.
Por considerar o traidor uma pessoa abjeta, repugnante sob todos os aspectos, desprovido de caráter e respeito ao próximo, guiando-se apenas pelo detestável sentimento da inveja, do querer tomar o lugar do outro sem a devida legitimidade, encarnado nestes tempos sombrios na figura patética de Michel Temer, um político despreparado para ser vice de alguém – imagine presidente do Brasil?! -, país que historicamente abomina esse tipo de gente, bastando relembrar o nojo canalizado ao Joaquim Silvério dos Reis, alcaguete dos inconfidentes mineiros, responsável por levar Tiradentes à forca, enquanto o representante-mor dos interesses da Fiesp, a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, trama covardemente para assumir a vaga da presidente eleita democraticamente pelo povo, eu voto simbolicamente NÃO.
Por repudiar eleição indireta, sem a devida participação do povo, tampouco golpe de estado, arquitetado pelas elites de sempre, ainda mais quando aparecem com o nome pomposo de impeachment, na vã tentativa de ludibriar os brasileiros outra vez, a exemplo do que fizeram em 1964, naquela época batizado de revolução, espertamente trocando o sentido das coisas, elas que são craques nesse tipo de malandragem, jamais querendo assumir, de peito aberto e sem pudor, seu total descompromisso com a nossa democracia, geralmente pisoteada ao verem seus partidos derrotados nas urnas e os interesses econômicos minimamente contrariados, eu reitero, pelas conquistas sociais e educacionais dos últimos anos, além do combate sem trégua à corrupção, talvez a ser interrompido no provável governo dos peemedebistas e tucanos, segundo acordo feito para proteger os deputado incriminados na justiça, com a Lava Jato sendo esfriada pelo juiz Sérgio Moro e pela Globo, que não dará mais tanta ênfase ao caso, meu simbólico e definitivo NÃO
Cruel como o túmulo
Não sei em que obra foi, mas nela o autor afirmava que o ciúme é uma bomba que, depois de armada, explode cedo ou tarde. E, quando isto acontece, o estrago é grande e insuportável, geralmente caindo na cabeça de inocentes. Começa até com um pouco de charme, sendo visto por muitos como a expressão do mais puro e sincero amor, mas depois engrossa a voz e quer mandar. Pior ainda, inocula em certas pessoas o germe abominável do sentimento de posse, que, como se sabe, traz sempre consigo as nada recomendáveis companhias da intolerância e da violência. Assim, o ciumento só para quando sente o acre e quente gosto de sangue na boca; ou, então, ao perceber que a vítima, mesmo sobrevivendo, dificilmente escapará do infortúnio psicológico, a mais terrível de todas as mortes. A literatura, aliás, tem sido pródiga em explorar esse tema de forma abundante e reflexiva, tanto em textos de autores estrangeiros como nacionais.
Quem não lembra do trágico fim de Desdêmona, a bonita veneziana morta por Otelo, o marido transtornado que, picado pelo veneno do ciúme, a asfixia com um travesseiro, apesar de se declarar inocente e profundamente apaixonada pelo general mouro. O “caso” entre ela e Cássio, como sabemos, não passava de uma vergonhosa armação do despeitado Iago, tentando ocupar a vaga de lugar-tenente daquele. Quando Otelo tomou conhecimento da diabólica tramoia, o gesto tresloucado e injusto já havia sido cometido por ele, não lhe restando outra saída exceto a morte, enfiando um punhal no próprio corpo e beijando Desdêmona antes de partir também. Com Otelo, William Shakespeare, o genial dramaturgo inglês, criou uma das mais comovedoras histórias de amor já escrita.
No caso de Madalena, a personagem de São Bernardo, o final não foi diferente. Sufocada pelos ciúmes de Paulo Honório, que a tinha como esposa adúltera e fingida, ela acaba tirando a própria vida em busca de paz e sossego inexistentes na relação com o agreste fazendeiro. A mania do marido em considerar todos como objetos de sua propriedade – dos escravos até a mulher -, é que pôs tudo a perder. Coitada da Madalena, sem culpa nenhuma no cartório, tendo que aguentar as suspeitas de Paulo Honório. Logo ela, cuja única preocupação era educar e dar um tratamento humano aos que trabalhavam na fazenda. Somente depois da burrada feita, agora tentando juntar os cacos da vida através da linguagem, ele reconhece o ser bruto que é: “Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos… Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige.” Aqui, nessa verdadeira obra-prima, presenciamos um Graciliano Ramos melhor do que nunca, tecendo uma história instigante a respeito, dentre outros assuntos, do absurdo amor esquizofrênico.
Outro texto marcante nesse aspecto é Valsa Negra, romance da talentosa escritora Patrícia Melo, que relata a conturbada relação entre um maestro cinquentão, bem-sucedido e famoso, e a jovem violinista de nome Marie, de família rica e judia, com quem vive depois de largar a esposa e a filha. Inseguro, embora a nova amante não tenha dado nenhum motivo, chega a pagar a empregada da casa para bisbilhotar a própria mulher, devendo aquela prestar atenção em todas as suas ligações, sobretudo, as de um tal Sandorsky, professor que Marie conhecera em Tel Aviv e por quem tinha a maior admiração. “Se não entender o que dizem, se for outra língua, tente ver se Marie fala Sandorsky.” Obriguei-a a repetir “Sandorsky” várias vezes, e ela me garantiu que jamais ouvira “nada disso” naquela casa. “Você sabe escrever”, perguntei. Dei-lhe um papel, caneta, “escreva aí ‘Sandorsky’. Ela não se saiu tão mal, uma letra esculhambada como a de qualquer semianalfabeto. Tínhamos agora um trato.”
Dos nacionais, o mais conhecido é Dom Casmurro, de Machado de Assis, que mostra um Bentinho implacável e vingativo em relação à Capitu, esposa que o teria traído, segundo ele, com o seu melhor amigo, o ex-seminarista Escobar. Inconformado, manda a mulher e o filho (Ezequiel) para a Europa e os abandona por lá, não querendo mais conversa com os dois. Bento Santiago só readquire a calma interior, se é que podemos falar nestes termos, ao receber a notícia da morte deles. Primeiro, de Capitu, que jamais recebeu resposta, sequer uma, às inúmeras cartas enviadas ao amado; depois, de Ezequiel, que o levou a jantar maravilhosamente bem e ir ao teatro, feliz da vida e como se nada tivesse acontecido. Por isso, devemos torcer para que a patológica bomba do ciúme não se aproxime da gente e, caso isto ocorra, que essa pessoa fique léguas de distância de nosso convívio. Nunca esquecer das sábias palavras de Salomão: “o amor é forte como a morte. O ciúme é cruel como o túmulo”.
Caríssimo Bandeira
A conversa com a garotada sobre a tua poética, na semana passada, não poderia ter sido melhor. Todos eles ainda muito jovens, entre 15 e 17 anos, cursando o ensino médio e tendo que encarar, sob um total espanto, a irreverência dos textos modernistas de 22, entre os quais tua obra desponta pelo lirismo comovedor e a espontaneidade da linguagem. Para iniciar esse itinerário de viagem, tomei Estrela da manhã, teu livro de 1936, como bússola a nos guiar por universo tão instigante. Em silêncio e maravilhados, eles ouviram com atenção a melancolia existencial que transborda nos versos introdutórios de Desencanto: “Eu faço versos como quem chora / De desalento… de desencanto… / Fecha o meu livro, se por agora / Não tens motivo nenhum de pranto.”
O mais interessante, meu caro, foi que eles gostaram de tua poesia, tipo de texto que geralmente evitam ler, alegando dificuldade na compreensão dessa escrita literária. Mas ficaram deslumbrados ao constatar que estavam entendendo tudo, cílio tirado do olho com grande alívio. Disseram, aliás, que tu falas a língua deles, de forma simples e sem rebuscamentos, como puderam constatar em Evocação de Recife: “Capiberibe / – Capibaribe / Lá longe o sertãozinho de Caxangá / Banheiros de palha / Um dia eu vi uma moça nuinha no banho / Ela se riu / Foi o meu primeiro alumbramento.” Outro aspecto destacado, e com o qual se identificaram muito, é o apreço que tu costumas demonstrar pelas coisas do cotidiano, tão comovedoramente presente no Meninos carvoeiros: “ – Eh, carvoero! / Só mesmo estas crianças raquíticas / Vão bem com estes burrinhos descadeirados. / A madrugada ingênua parece feita para eles… / Pequenina, ingênua miséria! / Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis! / – Eh, carvoero!”
A tuberculose, acredites ou não, é um dado da tua biografia que os fascina muito, não só por lembrar-lhes os poetas românticos da geração byroniana, a quem admiram com paixão religiosa, como também por teres dedicado – até mesmo de forma obsessiva – vários poemas à morte, tema pelo qual se sentem irremediavelmente atraídos, como ficou evidente nos versos de Consoada: “Quando a Indesejada das gentes chegar / (Não sei se dura ou caroável), / Talvez eu tenha medo, / Talvez sorria, ou diga: / – Alô, iniludível!” Ou, ainda, em passagem mais sofrida como em “Morrer sem deixar o triste despojo da carne, / A exangue máscara de cera, / Cercada de flores, / Que apodrecerão – felizes! – num dia, / Banhada de lágrimas / Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.”, extraída de A morte absoluta.
De tudo, meu saudoso Bandeira, a galera vibrou pra valer foi com as tuas poesias lírico-amorosas, nas quais celebras a mulher brasileira do ponto de vista sensual, através de um canto envolvente e persuasivo, como vemos em Poemeto erótico: “Teu corpo claro e perfeito, / – Teu corpo de maravilha, / Quero possuí-lo no leito / Estreito da redondilha… / (…) / A todo o momento o vejo… / Teu corpo… a única ilha / No oceano do meu desejo…” Sem falar, tu hás de convir, do amor sublime e bem humorado de Neologismo, quando o sentimento maior de todos escorre de maneira apaziguada nestes versos antológicos: “Beijo pouco, falo menos ainda. / Mas invento palavras / Que traduzem a ternura mais funda / E mais cotidiana. / Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. / Intransitivo: / Teadoro, Teodora.”
Da turma lotada que assistiu à aula, sei não, poeta, mas saí de lá com a leve impressão de ter fisgado alguns leitores – espécie ainda rara no meio da estudantada – para a tua boa e sempre confortante poesia, a ser mantida sempre na cabeceira da cama, a fim de acalmar nossa alma e trazer a leveza acolhedora do sono. Entre os outros poemas de Estrela da Manhã, eles curtiram também a tirada filosófica sobre morte/vida de Momento num café; o lirismo exagerado e pungente de Balada das três mulheres do sabonete Araxá; a valorização da cultura popular e da vida no interior de Trem de ferro; e, como não poderia deixar de ser, a triste história amorosa da Tragédia brasileira, na figura apaixonada e patética de Misael. Mas basta de lero-lero, meu querido Bandeira, vida noves fora zero.
(foto: www.algumapoesia.com.br)