Não sei em que obra foi, mas nela o autor afirmava que o ciúme é uma bomba que, depois de armada, explode cedo ou tarde. E, quando isto acontece, o estrago é grande e insuportável, geralmente caindo na cabeça de inocentes. Começa até com um pouco de charme, sendo visto por muitos como a expressão do mais puro e sincero amor, mas depois engrossa a voz e quer mandar. Pior ainda, inocula em certas pessoas o germe abominável do sentimento de posse, que, como se sabe, traz sempre consigo as nada recomendáveis companhias da intolerância e da violência. OteloAssim, o ciumento só para quando sente o acre e quente gosto de sangue na boca; ou, então, ao perceber que a vítima, mesmo sobrevivendo, dificilmente escapará do infortúnio psicológico, a mais terrível de todas as mortes. A literatura, aliás, tem sido pródiga em explorar esse tema de forma abundante e reflexiva, tanto em textos de autores estrangeiros como nacionais.

Quem não lembra do trágico fim de Desdêmona, a bonita veneziana morta  por Otelo, o marido transtornado que, picado pelo veneno do ciúme, a asfixia com um travesseiro, apesar de se declarar inocente e profundamente apaixonada pelo general mouro. O “caso” entre ela e Cássio, como sabemos, não passava de uma vergonhosa armação do despeitado Iago, tentando ocupar a vaga de lugar-tenente daquele. Quando Otelo tomou conhecimento da diabólica tramoia, o gesto tresloucado e injusto já havia sido cometido por ele, não lhe restando outra saída exceto a morte, enfiando um punhal no próprio corpo e beijando Desdêmona antes de partir também. Com Otelo, William Shakespeare, o genial dramaturgo inglês, criou uma das mais comovedoras histórias de amor já escrita.

No caso de Madalena, a personagem de São Bernardo, o final não foi diferente. Sufocada pelos ciúmes de Paulo São BernardoHonório, que a tinha como esposa adúltera e fingida, ela acaba tirando a própria vida em busca de paz e sossego inexistentes na relação com o agreste fazendeiro. A mania do marido em considerar todos como objetos de sua propriedade – dos escravos até a mulher -, é que pôs tudo a perder. Coitada da Madalena, sem culpa nenhuma no cartório, tendo que aguentar as  suspeitas de Paulo Honório.  Logo ela, cuja única preocupação era educar e dar um tratamento humano aos que trabalhavam na fazenda. Somente depois da burrada feita, agora tentando juntar os cacos da vida através da linguagem, ele reconhece o ser bruto que é: “Penso em Madalena com insistência. Se fosse possível recomeçarmos… Para que enganar-me? Se fosse possível recomeçarmos, aconteceria exatamente o que aconteceu. Não consigo modificar-me, é o que mais me aflige.” Aqui, nessa verdadeira obra-prima, presenciamos um Graciliano Ramos melhor do que nunca, tecendo uma história instigante a respeito, dentre outros assuntos, do absurdo amor esquizofrênico.

Outro texto marcante nesse aspecto é Valsa Negra, romance da talentosa escritora Patrícia Melo, que relata a conturbada relação entre um maestro cinquentão, bem-sucedido e famoso, e a jovem violinista de nome Marie, de família rica e judia, com quem vive depois de largar a esposa e a filha. Inseguro, embora a nova amante não tenha dado nenhum motivo, chega a pagar a empregada da casa para bisbilhotar a própria mulher, devendo aquela prestar atenção em todas as suas ligações, sobretudo, as de um tal Sandorsky, professor que Marie conhecera emValsa Negra Tel Aviv e por quem tinha a maior admiração. “Se não entender o que dizem, se for outra língua, tente ver se Marie fala Sandorsky.” Obriguei-a a repetir “Sandorsky” várias vezes, e ela me garantiu que jamais ouvira “nada disso” naquela casa. “Você sabe escrever”, perguntei. Dei-lhe um papel, caneta, “escreva aí ‘Sandorsky’. Ela não se saiu tão mal, uma letra esculhambada como a de qualquer semianalfabeto. Tínhamos agora um trato.”

Dos nacionais, o mais conhecido é Dom Casmurro, de Machado de Assis, que mostra um Bentinho implacável e vingativo em relação à Capitu, esposa que o teria traído, segundo ele, com o seu melhor amigo, o ex-seminarista Escobar. Inconformado, manda a mulher e o filho (Ezequiel) para a Europa e os abandona por lá, não querendo mais conversa com os dois. Bento Santiago só readquire a calma interior, se é que podemos falar nestes termos, ao receber a notícia da morte deles. Primeiro, de Capitu, que jamais recebeu resposta, sequer uma, às inúmeras cartas enviadas ao amado; depois, de Ezequiel, que o levou a jantar Dom Casmurromaravilhosamente bem e ir ao teatro, feliz da vida e como se nada tivesse acontecido. Por isso, devemos torcer para que a patológica bomba do ciúme não se aproxime da gente e, caso isto ocorra, que essa pessoa fique léguas de distância de nosso convívio. Nunca esquecer das sábias palavras de Salomão: “o amor é forte como a morte. O ciúme é cruel como o túmulo”.