E não é que Teresina, no próximo dia 16 de agosto, completa mais uma primavera, totalizando 166 anos de existência. A primeira capital planejada do país, quem diria. E pensar que tudo começou lá bem atrás, em 1852, por iniciativa de um baiano visionário, chamado José Antônio Saraiva – ou Conselheiro Saraiva. E que aos 27 anos, como presidente da Província do Piauí, resolveu transferir a capital de Oeiras, cidade histórica, para um descampado na Chapada do Corisco. E a batizou, acredite se quiser, de Theresina, em homenagem a imperatriz Teresa Cristina, esposa de Dom Pedro II, de quem era amigo pessoal. E imaginar que muita coisa, por obra de Deus e homens corajosos, mudou ao longo desse tempo, tornando-se um dos melhores lugares para se morar.  Apesar do calorzão de lascar, do provincianismo tacanho e da violência que campeia em toda parte.  E melhor ainda, berço de grandes poetas: Mário Faustino, Torquato Neto e H. Dobal, trio que merece toda nossa louvação, hoje e sempre, por meio do qual quero cantar, salve salve, minha terra natal.

Mário Faustino se destacou como poeta de rara sensibilidade, tradutor refinado e crítico instigante, daí gozar de respeito nacional até hoje. Em vida, publicou uma única obra: O homem e sua hora, em 1955, misto de elaboração poética e conhecimento teórico, reflexivo, da poesia. De acidente aéreo, faleceu ainda muito jovem, aos 32 anos, não de mal sorte mas de amor pela morte, como fizera questão de registrar em versos. Prefácio sintetiza sua grandeza literária: “Quem fez esta manhã, quem penetrou/ à noite os labirintos do tesouro,/ quem fez esta manhã predestinou/ seus temas a paráfrases do touro,/ a traduções do cisne: fê-la para/ abandonar-se a mitos essenciais,/ desflorada por ímpetos de rara/ metamorfose alada, onde jamais/ se exaure o deus que muda, que transvive./ quem fez esta manhã fê-la por ser/ um raio a fecundá-la, não por lívida/ ausência sem pecado e fê-la ter/ em si princípio e fim: ter entre aurora/ e meio-dia um homem e sua hora.”

Já nosso Torquato Neto, um dos cabeças da Tropicália, despontou como artista multifacetado: poeta, jornalista, ator , letrista e diretor de cinema. Em termos literários, não publicou nenhum livro em vida, tendo vindo à tona três volumes postumamente: Os Últimos Dias de Paupéria, lançado em 1973 e organizado pelo amigo Waly Salomon e a esposa Ana Duarte; O Fato e a Coisa e Juvenílias, ambos de 2012, lançados pelo primo George Mendes e o amigo Durvalino Couto. Embora tenha deixado uma obra fragmentada, é possível observar alguns temas muito recorrentes em seus textos, com destaque para a morte e os conflitos existenciais. A exemplo de outros artistas da época, resolveu se encantar ainda muito jovem, aos 28 anos, ligando o gás e deixando um bilhete de despedida ao filho. Seu poema Cogito é tido como um dos melhores da literatura nacional: “Eu sou como eu sou/ pronome/ pessoal intransferível/ do homem que iniciei/ na medida do impossível// Eu sou como eu sou/ agora/ sem grandes segredos dantes/ sem novos secretos dentes/ nesta hora// Eu sou como eu sou/ presente/ desferrolhado indecente/ feito um pedaço de mim// Eu sou como eu sou/ vidente/ e vivo tranquilamente/ todas as horas do fim.”

Quanto a H. Dobal, além de poeta, enveredou também pela crônica e conto. A estreia literária ocorreu em 1966, com a publicação de O Tempo Consequente,  obra poética das mais elogiadas pelos  críticos. Segundo Manoel Paulo Nunes, parceiro de geração, a poética dobaliana está centrada em três aspectos distintos, porém complementares: a lírica, que perpassa toda sua obra; a elegíaca, poemas que remetem a laços familiares, terras dos antepassados e momentos da infância; e a épica, que resgata fatos do nosso passado histórico.  O estilo sóbrio, a linguagem simples e direta, o lirismo contido, o telurismo e o ecumenismo, a denúncia social e o tom irônico são características marcantes de sua obra. Fazenda é um belo exemplo de tudo isso: “São trinta cabeças/ de gado cabrum./ Criação miúda/ sem qualquer ciência./ Somente um chiqueiro/ defesa noturna/ que bem cedo aberto/ o dia Ihes dá.// Rústicas a vida/ de qualquer maneira/ sabem extrair/ Mas vem da morte/ sua serventia/ o couro e a carne para o homem/ mais pobre do que elas.”