Hoje acordei com uma vontade danada de escrever, como diria seu saudoso pai, estas mal traçadas linhas pra você. Era assim que o Francisco abria, geralmente, as cartas enviadas à família em Teresina. Inicialmente, falar que todos aqui, mesmo sob a ameaça do novo coronavírus, estamos com saúde e tocando a vida conforme Deus quer. Sem negligenciar, claro, dos cuidados necessários a fim de evitar a pandemia: lavar as mãos com água e sabão, ter o álcool em gel sempre por perto e evitar os cumprimentos efusivos (beijos, abraços e aperto de mãos). E o mais importante, jamais esquecer, não sair de casa, mantendo-se distante de aglomerações. Pras compras, deixar essa tarefa aos mais jovens.  Aos que entraram na terceira idade, como eu e seus outros tios –  Ceiça, Rita, Neto e Tomé -, o aconselhável é permanecer em quarentena, sem pôr a cara fora, uma vez que é a faixa etária de maior risco. E a que apresenta, segundo a OMS, alta taxa de mortalidade. Ao todo, 15 mil vidas já foram ceifadas, no mundo, pela “gripezinha” do Bolsonaro. Em torno de 35 delas, somente no Brasil. A maioria das vítimas constituída por pessoas acima dos 60 anos.

No caso de dona Raimunda, sua avó, com 95 anos, tais cuidados são redobrados. Além do perigo em contrair a Covid-19, que seria fatal, ela está se recuperando da fratura na bacia. Tudo por conta, infelizmente, de uma queda ao levantar da cama. E queda pra idoso, como sabemos, não é moleza, pois acarreta dois graves problemas: a imobilização e a dificuldade pra sarar. Mas longe de dona Mundica, assim também chamada por alguns, reclamar da sorte ou viver em depressão. Diversamente, acredita que vai sair dessa e voltar a ter uma vida normal, curtindo os familiares e amigos e, não podia faltar, o sagrado direito de tomar um banho de mar outra vez. Sem falar ainda de apagar a vela, em setembro vindouro, por mais um ano de felicidade e amor.

O que leva sua avó, figuraça de mulher, a ser essa incansável guerreira? Penso que a fé em Cristo, em primeiro lugar, e a paixão desmesurada pela vida, depois. Ou quem sabe, numa bela sacada, as duas coisas simultaneamente. Desde sábado passado, ela veio morar com a gente, comigo e a Lucíola, passar uma temporada, pra sermos precisos, vez que suas estadias mais frequentes ocorrem nas casas da Ceiça e da Rita, as duas únicas filhas de uma prole de nove rebentos. Brinco que é a única mãe, talvez, com mais hotéis cinco estrelas à disposição, arrancando dela uma boa risada. Quando não está deitada ou dormindo, tem aproveitado pra folhear as Lições do Papa Francisco – Inspirações para uma vida melhor, livro repleto de ensinamentos práticos, e assistir aos bons filmes da Netflix, sobretudo, os de temática religiosa e os de histórias de amor.

Mudando de assunto, a chuva quase diária em Teresina, bem como no restante do Piauí, é dádiva que enche nosso coração de alegria. Sinal que São Pedro quer nos garantir um inverno dos bons e, por conseguinte, mesa farta pra todos. Pode até não acreditar, Alex, mas temos frio nesta época  do ano. Diferente dos 38/39 graus costumeiros, notadamente no período do B-R-O-BRÓ, que vai de setembro a dezembro – motivo de chacota geral, a ponto de brincarem que dá pra fritar ovo na rua. As gozações já começam na aterrissagem dos aviões, quando o piloto anuncia nossa temperatura, quentura capaz de tirar qualquer cristão do sério e provocar mal-estar.

Mas nos conte aí, querido sobrinho, quais as novidades, incluindo o Covid-19, no Rio de Janeiro. Como você e a Lílian estão se virando, tendo que ficar no apê, sem desfrutar das belezas naturais da cidade e dos jogos no Maraca? Fico triste em saber, através da mídia, que muitos cariocas ainda não se deram conta da gravidade da pandemia. Embora desgovernado no momento, o Brasil sairá melhor desse sufoco, tornando-se um país solidário e com visão crítica sobre muitos aspectos: papel do estado na sociedade, escolha correta de gestores/políticos, cobiça/ausência da iniciativa privada nas horas de crise e, assunte bem, valorização da ciência e dos profissionais da saúde. Afinal, só os ignorantes persistem na crença que o vírus é obra do Satanás e armação dos comunistas.

No mais, Alex, receba nosso abraço saudoso e que, em junho próximo, possamos confraternizar todos em Teresina – reunindo a família – sob a benção de dona Raimunda, nossa amada e idolatrada matriarca. Inté!