A conversa com a garotada sobre a tua poética, na semana passada, não poderia ter sido melhor. Todos eles ainda muito jovens, entre 15 e 17 anos, cursando o ensino médio e tendo que encarar, sob um total espanto, a irreverência dos textos modernistas de 22, entre os quais tua obra desponta pelo lirismo comovedor e a espontaneidade da linguagem. Para iniciar esse itinerário de viagem, tomei Estrela da manhã, teu livro de 1936, como bússola a nos guiar por universo tão instigante. Em silêncio e maravilhados, eles ouviram com atenção a melancolia existencial que transborda nos versos introdutórios de Desencanto: “Eu faço versos como quem chora / De desalento… de desencanto… / Fecha o meu livro, se por agora / Não tens motivo nenhum de pranto.”
O mais interessante, meu caro, foi que eles gostaram de tua poesia, tipo de texto que geralmente evitam ler, alegando dificuldade na compreensão dessa escrita literária. Mas ficaram deslumbrados ao constatar que estavam entendendo tudo, cílio tirado do olho com grande alívio. Disseram, aliás, que tu falas a língua deles, de forma simples e sem rebuscamentos, como puderam constatar em Evocação de Recife: “Capiberibe / – Capibaribe / Lá longe o sertãozinho de Caxangá / Banheiros de palha / Um dia eu vi uma moça nuinha no banho / Ela se riu / Foi o meu primeiro alumbramento.” Outro aspecto destacado, e com o qual se identificaram muito, é o apreço que tu costumas demonstrar pelas coisas do cotidiano, tão comovedoramente presente no Meninos carvoeiros: “ – Eh, carvoero! / Só mesmo estas crianças raquíticas / Vão bem com estes burrinhos descadeirados. / A madrugada ingênua parece feita para eles… / Pequenina, ingênua miséria! / Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis! / – Eh, carvoero!”
A tuberculose, acredites ou não, é um dado da tua biografia que os fascina muito, não só por lembrar-lhes os poetas românticos da geração byroniana, a quem admiram com paixão religiosa, como também por teres dedicado – até mesmo de forma obsessiva – vários poemas à morte, tema pelo qual se sentem irremediavelmente atraídos, como ficou evidente nos versos de Consoada: “Quando a Indesejada das gentes chegar / (Não sei se dura ou caroável), / Talvez eu tenha medo, / Talvez sorria, ou diga: / – Alô, iniludível!” Ou, ainda, em passagem mais sofrida como em “Morrer sem deixar o triste despojo da carne, / A exangue máscara de cera, / Cercada de flores, / Que apodrecerão – felizes! – num dia, / Banhada de lágrimas / Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.”, extraída de A morte absoluta.
De tudo, meu saudoso Bandeira, a galera vibrou pra valer foi com as tuas poesias lírico-amorosas, nas quais celebras a mulher brasileira do ponto de vista sensual, através de um canto envolvente e persuasivo, como vemos em Poemeto erótico: “Teu corpo claro e perfeito, / – Teu corpo de maravilha, / Quero possuí-lo no leito / Estreito da redondilha… / (…) / A todo o momento o vejo… / Teu corpo… a única ilha / No oceano do meu desejo…” Sem falar, tu hás de convir, do amor sublime e bem humorado de Neologismo, quando o sentimento maior de todos escorre de maneira apaziguada nestes versos antológicos: “Beijo pouco, falo menos ainda. / Mas invento palavras / Que traduzem a ternura mais funda / E mais cotidiana. / Inventei, por exemplo, o verbo teadorar. / Intransitivo: / Teadoro, Teodora.”
Da turma lotada que assistiu à aula, sei não, poeta, mas saí de lá com a leve impressão de ter fisgado alguns leitores – espécie ainda rara no meio da estudantada – para a tua boa e sempre confortante poesia, a ser mantida sempre na cabeceira da cama, a fim de acalmar nossa alma e trazer a leveza acolhedora do sono. Entre os outros poemas de Estrela da Manhã, eles curtiram também a tirada filosófica sobre morte/vida de Momento num café; o lirismo exagerado e pungente de Balada das três mulheres do sabonete Araxá; a valorização da cultura popular e da vida no interior de Trem de ferro; e, como não poderia deixar de ser, a triste história amorosa da Tragédia brasileira, na figura apaixonada e patética de Misael. Mas basta de lero-lero, meu querido Bandeira, vida noves fora zero.
(foto: www.algumapoesia.com.br)