Visitar São Paulo é sempre uma grande comoção na vida da gente. Imagino viver lá, na capital, colado aos seus mais de 10 milhões de habitantes. No meio daquele turbilhão de emoções e mundos presentes, com infinitas línguas e sotaques e cores, juntos e misturados, naquelas ruas da fascinante e assustadora metrópole. Talvez o coração não resistisse diante de tanta beleza e opções artísticas: Masp, exposições, Avenida Paulista, museus, Parque Ibirapuera, shows musicais, Mercado Municipal, peças teatrais, Catedral Metropolitana, Bienal do Livro, Estação da Luz, Jegue Elétrico, Praça da Sé e, há 11 anos, a Balada Literária de Marcelino Freire, evento cultural dos mais importantes que, dada à sua generosidade, esse nordestino arretado de bom, filho de Sertânia dos pernambucos, abre espaço às facetas luminosas desses inúmeros brasis esquecidos pelo imenso Brasil.
De sua vasta programação em homenagem a Caio Fernando Abreu, iniciada na quarta-feira passada, só não marquei presença, infelizmente, no show de abertura do evento – “Em Tercina”, com Alzira E, Tetê Espíndola e Ney Matogrosso, que, soube depois, ter sido maravilhoso de bom. Mas na manhã seguinte, às 11 horas, lá estava eu na Livraria da Vila, com olhos e ouvidos atentos a fim de assistir ao “Inventário do irremediável”, uma instigante conversa entre amigos envolvendo Claudiney ferreira, Cláudia Abreu (irmã do autor gaúcho), Vânia Toledo e Paula Dip, autora de uma das biografias escritas sobre ele: Para sempre teu, Caio F. No Centro Cultural B_arco tive, à noitinha, a alegria de presenciar um diálogo lindíssimo, mediado pela cantora Fabiana Cozza, com Rogéria e Márcio Paschoal. Sem falar também do incrível sarau dedicado a Elke Maravilha – “Transarau Maravilha”, comandado por Ed Marte e Renato Negrão.
Na sexta-feira pela manhã, a emoção foi imensurável ao ouvir Marcelo Rubens Paiva comentar Ainda estou aqui, livro dedicado à sua mãe Eunice na luta que ela trava cotidianamente, ao longo desses últimos anos, contra a Doença de Alzheimer. Se já era seu admirador desde a leitura de Feliz ano velho, no qual retrata o episódio que o torna tetraplégico, imagine após ouvi-lo falar com enorme carinho dessa mulher destemida e defensora dos nossos índios que o infortúnio varreu a memória. A conversa feita à noite entre as cantoras Cida Moreira e Marina Lima (filha de piauienses) sobre Caio Fernando Abreu foi algo de arrepiar a alma dos presentes no Sesc Pinheiros, elas que conviveram e foram amigas do autor de Morangos mofados, livro hoje considerado um clássico da literatura nacional.
Já embriagado de felicidade, ainda recebo, antes das apresentações de Ernesto Dabó (poeta de Guiné-Bissau) e Miró (poeta recifense), a ótima notícia que Torquato Neto será o próximo homenageado da Balada Literária. E de repente, depois daí, não mais que de repente, experimentei a insustentável leveza do ser, com o corpo levitando frente às outras atividades do evento: “Tchau, querida”, peça inédita (apenas o 1º ato) de Ana Maria Gonçalves, com direção de Wagner Moura; “Um canto para Noémia de Sousa”, encabeçado pelo Sarau das Pretas; shows de Sofia Freire e Fernanda D’Umbra, no Estúdio Lâmina; conversa entre Cristovão Tezza, Fernando Ramos e Lucimar Mutarelli a respeito dos frutos da literatura; e, por fim, antes de tomar o caminho do aeroporto, participar de uma mesa redonda – “Pedras de Calcutá: Nos caminhos da literatura” – ao lado de feras como Paulo Lins, Simone Paulino, Henrique Rodrigues e Abel Menezes. Mais do que nunca, agora só quero saber, até novembro de 2017, como diria nosso saudoso “Anjo torto”, do que pode dar certo, pois não tenho tempo a perder.