Desta vez, não escapo da Lucíola me colocar no olho da rua. Qualquer mulher, em seu lugar, faria o mesmo. Descobrir o marido, quase sessentão, apaixonado por uma jovem não é admissível. Ainda mais ela sendo bonita e sensual, com apenas 28 anos, idade inferior a das filhas. A flecha da qual não pude escapar, atingido mortalmente no coração, responde pelo nome de Farah Zeynep Abdullah, atriz turca de beleza estonteante. Tudo começou quando assisti, por acaso, uma série na Netflix.
– Bora dormir?
– Agora não.
– Cê tem aula cedo amanhã.
– Tô vendo Kurt Seyit ve Sura.
– Filme?
– Série ambientada na Rússia czarista.
– Boa noite, então!
– Boa!
Até aí tudo bem, não fossem as noites posteriores, grudado na TV madrugada adentro, pouco importando se ficava sonolento e cansado na manhã seguinte. Por amor, tudo vale a pena, parafraseando Fernando Pessoa, se o coração não é pequeno. Já desconfiada, Lucíola veio com as suas costumeiras ironias.
– Essa série não tem fim?
– São 46 capítulos.
– Trata do quê, se não for incômodo perguntar?
– Uma love story em plena Revolução Bolchevique.
– E desde quando você é fã dessas histórias açucaradas?
– A partir dessa.
A situação degringolou de vez ao resolver, burrada minha, assistir ao drama novamente. O que era mera suspeita para Lucíola, agora virou certeza: o maridão estava realmente, depois de tanta estrada juntos, 35 anos ao todo, de quatro pneus arriados por uma garota do outro extremo do planeta.
– Não acredito, vendo outra vez?
– Adorei a arquitetura e o vestuário da época.
– Só?
– Além de conhecer, é claro, outra cultura diferente da nossa.
– Tô te lendo, camarada.
– Que que tem?
– Você está de olho é na protagonista.
– Na Sura?
– Sim, nessa sirigaita mesmo.
– Nada a ver, curto apenas seu talento.
– Me engana que eu gosto.
Infelizmente a ficha caiu quando, durante os sonos, dei pra chamar o nome de Sura. Não uma, duas, três vezes, mas repetidamente. Diacho de inconsciente que, de forma traiçoeira, acabou entregando minha secreta paixão. E agora, Wellington?
– Não se enxerga, não.
– Como assim?
– Ficar se apaixonando por garotinha.
– O amor transcende idade.
– Sem falar que careca e pobre.
– Não importa.
– Ela não ligará a mínima pra você.
– Amor é dado de graça / é semeado no vento.
– Virou poeta agora?
– Tomei emprestado ao Drummond.
Não bastasse o nome da Sura, ainda citei também, dormindo, outras personagens encarnadas por Farah Zeynep Abdullah nos filmes que fez até o presente, todos vistos ansiosamente por mim. O que só piorou, convenhamos, minha difícil situação.
– Quem é Mediha Sessiz?
– É Farah em “The Butterfly’s Dream.
– E Eylul?
– A atriz turca em “A Small September Affair”.
– Quanto a Muazzez?
– É a Farah em “Sour Apples”.
– E essa tal de Hatice (Ayperi)?
– A atriz turca em “Whisper If I Forget”.
– Essa paixonite, pelo visto, é mais séria do que imaginava.
O caldo entortou de vez quando, ao chegar em casa, Lucíola me pegou ensaiando palavras estrambólicas, sem nenhum sentido para ela. Logo eu que, mesmo formado em Letras, nunca demonstrei interesse em aprender outra língua.
– Que é isso, homem?
– Tô aprendendo turco.
– Não vai me dizer que é por causa dela?
– Sim, quero assistir a seus filmes na língua nativa.
– Aproveita então, maior carente, e tira uma passagem pra lá.
– Taí uma boa ideia, assim conheço Istambul, onde Farah mora.