
A LITERATURA SALVA
A convite do Marcelino Freire, fui participar da Balada Literária de São Paulo em 2012. O evento reúne anualmente escritores, no mês de novembro, para celebrar o livro, esse objeto de desejo que fascina e encanta até hoje. Além de nomes consagrados, ele faz questão de valorizar os talentos regionais ainda desconhecidos no país. Sem falar também do pessoal que ilumina a periferia dos grandes centros com textos alternativos e saraus poéticos da melhor qualidade. Uma bela síntese da máxima “tudo junto e misturado”, tendência inspiradora de nosso imaginário cultural. De tal modo que participávamos de conversas interessantes, com temas literários distintos, envolvendo desde um Raduan Nassar, o aclamado autor de Lavoura Arcaica, até o desconhecido Wellington Soares. Daí o sucesso da Balada em relação a outras feiras, ao oportunizar essa enriquecedora troca de experiências.
Entre as palestras que assisti na Livraria da Vila, onde aconteceu o evento, um mexeu profundamente comigo. E com todos também que estavam presentes. O assunto era dos mais instigantes – “O quarto é o mundo: a literatura de verdade, dentro e fora dos presídios”, ministrada por Luiz Alberto Mendes, um ex-detento salvo dos infortúnios da vida pela descoberta dos livros. Além de exemplo de superação, sua história é emocionante, daquelas que nos levam a acreditar que toda pessoa, inclusive as tidas como irrecuperáveis, são passíveis de mudança. Já cumprindo pena, um belo dia outro detento indaga a Luiz Alberto se ele ouvira falar de Jean Valjean, protagonista de Os miseráveis, romance do escritor francês Victor Hugo. Diante da resposta negativa, o parceiro resolveu contar o enredo através do “telefone”, aparelho de comunicação utilizado com o esvaziamento do sanitário das celas. A repercussão foi tamanha que, a partir dali, ele resolveu ser escritor e viver de sua obra.
Hoje Luiz Alberto Mendes está livre das grades e sobrevive como escritor, já tendo publicado cinco livros por grandes editoras. Uma vida ainda dura, sem emprego fixo nem carteira assinada, mas repleta de realizações pessoais. Após descobrir a paixão pelos livros e o prazer da escrita, ele nunca mais foi o mesmo, transformando-se numa outra pessoa e encarando a realidade com novos paradigmas. Mas essa metamorfose foi possível graças a uma oficina literária, sob a batuta de Fernando Bonassi, realizada dentro do presídio, da qual ele não só participou como revelou seu talento literário. Publicou sua primeira obra, Memórias de um sobrevivente, enquanto estava na cadeia, estreia que resultou em elogios da crítica especializada e comparações a Gean Genet e Graciliano Ramos, dado a franqueza quase rude do estilo adotado.
Mas essas lembranças vêm à tona agora motivadas pela vinda de Luiz Alberto Mendes a Teresina, onde ministrará oficinas de escrita criativa nos presídios de nossa capital: Irmão Guido e Penitenciária Feminina, nos próximos dias 20 e 21. Na ocasião, ele dará o pontapé inicial ao projeto de incentivo à leitura no sistema prisional do Piauí, “Leitura Livre”, iniciativa elogiável da secretaria estadual de Justiça. Além de lançar, a convite da livraria Anchieta, os livros Memórias de um sobrevivente e As cegas, relatos pungentes de alguém que trocou o mundo das grades pelo fascinante universo das palavras. Seus outros livros são Tesão e prazer – memórias eróticas de um prisioneiro, Cela Forte e Desconforto, este último reunindo as suas poesias. Como faz questão de expressar nas andanças pelo Brasil, sendo ele próprio um exemplo disso, a literatura é capaz de salvar as pessoas das armadilhas existenciais.
*foto: Maurício Pokemon