Blog da Redação
Blog Title

Rio-São Paulo de Revestrés

(Por Victória Holanda. Fotos de São Paulo: Maurício Pokemon/Fotos do Rio de Janeiro: Rafaela Freitas)

Literatura, arte, cultura e algo mais. Essa frase que vem junto com a palavra Revestrés não é à toa. É que esse algo mais pode ser muita coisa e, várias delas ao mesmo tempo. Não gostamos de ficar quietos. Quem sabe fomos inspirados por Fernando Pessoa que deixou o conhecidíssimo recado: navegar é preciso, viver não é preciso.

Pois foi nesse barco que pularam alguns dos nossos tripulantes. Deixando um pouco a rotina de lado durante uma semana, nossa equipe seguiu suas respectivas viagens. Enquanto Maurício Pokemon e Luana Sena desembarcavam em São Paulo, Victória Holanda chegava ao Rio de Janeiro.

Na vasta São Paulo, fotógrafo e repórter se depararam: show de Caetano e Gil, o artista Tec Fase pintando mural em prédio com vista para o Minhocão, instalação de Berna Reale no 34º Panorama da Arte Brasileira e ainda se encontraram com o artista Flip, na abertura da mostra “Fliprints, 10 anos de impressões”.

O artista Flip, na abertura da mostra "Fliprints, 10 anos de impressões" com toda sua produção impressa no Brasil e no mundo feita nessa década, no Pico do Glicério.

O artista Flip, na abertura da mostra “Fliprints, 10 anos de impressões” com toda sua produção impressa no Brasil e no mundo feita nessa década, no Pico do Glicério.

O artista Tec Fase pintando um mural em um prédio, em cima de uma empena, com a vista pro Minhocão. A ideia do mural é refletir criticamente a relação das pessoas com os problemas reais.

O artista Tec Fase pintando um mural em um prédio, em cima de uma empena, com a vista pro Minhocão. A ideia do mural é refletir criticamente a relação das pessoas com os problemas reais.

Instalação de Berna Reale no 34º Panorama da Arte Brasileira – Da pedra Da terra Daqui - 03 out - 18 dez, no MAM - SP.

Instalação de Berna Reale no 34º Panorama da Arte Brasileira – Da pedra Da terra Daqui – 03 out – 18 dez, no MAM – SP.

Caetano e Gil - Show "Dois Amigos, um Século de Música" - CityBank Hall - SP

Caetano e Gil – Show “Dois Amigos, um Século de Música” – CityBank Hall – SP

Enquanto isso, o Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, na Tijuca, estava sendo palco de encontros históricos, aulas diárias e apresentação de trabalhos sobre a produção e reflexão em dança no 9º Seminário de Dança Angel Vianna.

Tatiana Leskova e Angel Vianna: Um encontro histórico entre os maiores expoentes da dança clássica e da dança contemporânea com a presença de Ana Botafogo, Lidia Costalá e Fauzi Mansur.

Tatiana Leskova e Angel Vianna: Um encontro histórico entre os maiores expoentes da dança clássica e da dança contemporânea com a presença de Ana Botafogo, Lidia Costalá e Fauzi Mansur.

Aula com Fauzi Mansur (RJ) - Ballet Clássico

Aula com Fauzi Mansur (RJ) – Ballet Clássico

Angel Vianna e Helena Katz na Conferência Corpo e Tecnologia.

Angel Vianna e Helena Katz na Conferência
Corpo e Tecnologia.

Se viver não é preciso, navegar é mais que fundamental.

O Sentido da Vida

Nascemos inteiramente desinformados. Principalmente sobre o que fazer para que a existência nos seja satisfatória. Até a pouco tempo, estávamos presos a um sistema. Determinados ao nosso papel na vida, do nascimento à morte. Não havia preocupação de satisfação pessoal em viver. Havia o dever. A promessa era de que se o cumpríssemos, encontraríamos o prazer da vida.

Hoje temos a nossa consciência expandida e nossas liberdades. Mas, não sabemos bem o que fazer de nossas possibilidades. Fazemos o que os outros fazem. Quem não se conforma, e exige significados, vive a beira do abismo existencial. Nietzsche talvez possa ser considerado, dos humanos, o que mais tangenciou abismos.

Existe uma razão de estarmos vivos? E seria preciso que existisse? Essa é abordagem desce aos alicerces da realidade humana. Nossa existência carece dessa resposta. Todos os outros significados; aquele dos instantes; das circunstâncias; trabalho; escola; comunidade, família e do indivíduo estão contidos nessa resposta. Ela permeia do mais simples ao mais complexo da vida humana. A idéia de Deus é exemplo mais claro do que estou dizendo. Partindo da crença em Deus, ocorre encadeamento de idéias que chega ao que fazemos com nossos órgãos genitais.

Não somos filósofos para praticar tais malabarismo mentais. O que precisamos é tornar nossa existência satisfatória agora, agora. Os significados que agregam valores atualmente, são os de mercado. O marketing promove valores de acordo com lucros decorrentes.

Para a realização humana, é preciso ter o carro do ano; a casa dos sonhos; esposa (o) de acordo com padrões da moda; filhos em colégios caros; amante de cabelos platinados; casa de campo, de praia. O homem consciente dessa manipulação tenta outros valores. Despreza a banalidade de tais estímulos. O significado da vida parece não estar nas coisas. Criamos mecanismos de valoração que não nos satisfaz. Quanto mais temos, mais carecemos. Parece que ter é pouco.

Penso que cada momento compõe uma circunstância. As circunstâncias exigem decisão. No dia todo talvez não seja encontrado significado. Mas para cada unidade desse dia, existe seu motivo de ser. No mínimo compõem o dia. Os significados são ímpares. Parece também que há um significado inerente, adormecido em cada circunstância. A nossa consciência o fareja como um cão fareja a presa. É a principal tarefa da existência, já que sem precedentes.

Os significados estão presentes no objeto, ou é a consciência que os cria? Desde o inicio da filosofia essa discussão permanece. É a idéia do objeto que existe, ou o objeto em si? A finalidade não é aprofundar. A proposta é mais linear. As situações existenciais estão grávidas de significado. A consciência os descobre de acordo com a definição de cada um. Um religioso entenderia significado diferente de um materialista. Em suma: o objeto do significado está nas situações existenciais, mas há uma interação no ato de descobrir.

Há, em nós, uma insatisfação relacionada à vida. Nem sempre conseguimos definir o motivo de vivê-la. Surge então vazio existencial que nos leva à angústia. Essa insatisfação, essa angústia, são módulos propulsores para ultrapassagens. É o desespero existencial a nos triturar. É assim que procuramos adquirir novos conhecimentos, criamos ou inventamos uma vida nova. E, num processo semelhante à tese darwiniana das mutações, somente o for melhor se estabelece.

Na verdade, se nascemos desinformados, cabe a nós nos informar. A cada novo dia, descobrir novas idéias e buscar saber de é feito o mundo que nos cercam. O vazio e a angústia só existem porque são infinitas nossas possibilidades.

A busca pela motivação da vida é incondicional e ocorre sob quaisquer condições ou circunstâncias.

**

Luiz Mendes

Deliciosos sucos

IMG_5966-2Quando criança, minha obrigação semanal era ir à novena com dona Mundica, ali na Vila Operária, zona norte de Teresina. Toda terça-feira, se a memória não me trai, estava eu lá, cercado de santos e anjos, aprendendo que melhor do que os pecados cometidos é a sensação de leveza do perdão alcançado. Em troca, exigia apenas umas moedas para comprar picolé e alfinim, condição aceita por mamãe de bom grado, mas só atendida após a celebração religiosa. Com o espírito confortado, retornava feliz para casa, saboreando cada um daqueles momentos com incontido prazer. Deitado na rede pensava, mesmo ainda desconhecendo Bandeira, que a noite podia descer, a noite com os seus sortilégios.

Agora, já adulto e por vontade própria, troquei as novenas de outrora pelos refrescos deliciosos do mestre Abrahão, situado nas proximidades do antigo Instituto de Educação. Quase toda semana apareço lá, como um montão de gente também, para assinar o ponto: tomar um refresco – que de tão espesso parece mais um suco – e comer um pastelzinho caseiro. Dos sabores ofertados, prefiro os de cajá e bacuri, sem igual e que nos levam aos céus. O de abacate é bom nem falar de tão gostoso, covardia das grandes, tomando aos poucos e lambendo os beiços até o fim. Para quem está gripado, ou precisando de um reforço no estoque de vitamina C, a casa prepara um suco de laranja no capricho, adocicado com mel de abelha italiana. Na hora do prejuízo, depois de ter enchido a pança, vem o melhor de tudo: um tantinho de nada cobrado pelo delicioso lanche, com direito a troco e agradecimentos sinceros: “muito obrigado” e “volte sempre”.

E não é que volto mesmo! Na primeira folga dos trabalhos, estou lá novamente, esperando a vez de ser atendido, não só para saborear os refrescos, mas, sobretudo, ouvir as palavras sábias do mestre da Rui Barbosa com Manuel Domingos. Com a invejável experiência de vida que tem, ele nos serve gratuitamente, apesar da pouca escolaridade, lições importantes de humildade, dedicação e amor ao próximo. Através de cartazes afixados nas paredes do comércio, Abrahão da Silva Gama – o popular ASIGA -, este maranhense de São João dos Patos radicado em Teresina há mais de cinquenta anos, planta nas pessoas mensagens perturbadoras e educativas, difíceis de esquecer pelo humor sarcástico e engraçado que destilam: “Prove que é orelhudo, preferindo um refrigerante a um suco”. Ou, então, aos que têm mania de consumir sem querer pagar: “Pagar antes está na moda e virou samba! Siga o ritmo e receba os nossos agradecimentos”.

IMG_5951-2O mais impressionante é que os preços e a qualidade dos sucos permanecem, ao longo dos anos, quase sempre os mesmos, um tantinho de nada e uma gostosura que só provando. Com ou sem crise econômica, a clientela festeja e continua fiel. Todos entram e saem dali com a barriga contente e o bolso satisfeito. Aliás, um ambiente bonito de se ver e estar, com as mais distintas classes harmonizadas pela vontade de beber e comer bem, instante sublime repleto de mistério e primitividade. A imagem comovente de homens e mulheres reunidos em torno do sagrado alimento e de reflexões existenciais. Sempre que converso com seu Abrahão, a quem chamo respeitosamente de mestre, o vejo como um daqueles cidadãos imprescindíveis celebrado em versos por Bertold Brecht. Em 2013, ele se tornou por direito e merecimento, numa iniciativa louvável do deputado João de Deus (PT), cidadão piauiense. Quando sua figura me vem à lembrança, é sinal que preciso dar uma passada lá, durante a semana, a fim de saborear os deliciosos sucos.

Completamente contente

Deixa eu dizer, antes que a ideia me fuja. Aqui em São Paulo todo mundo anda apressado – é um sobe e desce na estação, um mar de gente me levando e eu começo a correr também embora não saiba exatamente para onde. Até na escada rolante e na esteira eles correm. Me reservo ao direito de ficar parada, sempre no corremão da direita, que é o que me cabe.

O certo é que durante todo o percurso do Bela Vista ao Butantã ele me vinha a cabeça: “Vai com calma, você vai chegar”. Eu tinha vontade de amplificar aquela voz e gritar às pessoas na rua: “Vocês aí, tenham calma!”.

Um sobrado azul num beco acolhedor parecia, ele todo, nos esperar. Ouço um assovio da janela superior, seguido de um xaveco: “Olha que gatinha!”. Mas não era um galanteador qualquer. Era Di Melo, o imorrível.

Conheci seu disco clássico, de 1975, há cerca de um ano. E nunca mais parei de ouvir. Nem acreditei quando conseguimos marcar esse encontro, mediado pela dona Jô, mulher e assessora de Di Melo – inclusive, vale aqui meus mais sinceros elogios a toda simpatia e doçura dessa anfitriã, que passou café e foi comprar bolo de milho cremoso na esquina, pra tudo ficar ainda mais gostoso.

Café com o imorrível Di Melo (foto: Mauricio Pokemon)

Café com o imorrível Di Melo (foto: Mauricio Pokemon)

Quando percebo estou eu falando de mim: do trabalho, da viagem, da vida a dois. Acabou-se a relação repórter fonte. Di Melo já é meu amigo. Já é alguém que eu queria ter conhecido há mil anos, com quem eu queria sentar num bar, com quem eu gostaria de aprender a escrever poemas e canções. De repente a Jô já está mostrando a casa, os quadros na parede, o fusca e o álbum com fotos da Gabi, filha do casal, modelando aos nove anos.

O repórter que não se envolve com a fonte, que não senta pra tomar o café com calma e observa com atenção e também amor o que ela fala, está, de fato, num caminho muito errado. Aliás, vamos aqui derrubar essa palavra “fonte”, se ela estiver limitada a alguém que gera apenas informações. O que mais brota das minhas “fontes”, quando as entrevisto, são boas histórias, olhares cúmplices, identificação, estranhamento e até felizes coincidências. Tá permitido entender a emoção do outro, inclusive, muito em voga.

De cada encontro desses, como o que tive com o Di Melo e a Jô na tarde de ontem, eu levo mais que novidades. Eu me renovo em força, vontade e fé. Por vezes, minha profissão me leva a tais circunstâncias, mas em outras ocasiões eu mesma tento encaixar em pauta tudo aquilo que vivi e aí ambos se misturam deliciosamente em mim. É quase místico. Como se fosse simples relatar o místico. Mas, por quase um segundo, me arrisco a falar, enquanto tudo isso se processa em minha mente, eu me sinto completamente contente.

Capa nova é assim

Toda vez que Alcides apresenta uma nova ideia de capa para a Revestrés é assim: a gente corre pra olhar e meter o bedelho.

(PS: a gente jura que tem mais de um computador na redação da Réves, viu?)

reves

 

reves 2

 

reves 3