Stella acaba de fazer… é melhor não tocar neste assunto, ela não gosta. Na verdade, Stella só fez aniversário, com número no bolo como de praxe, nos verdes anos. Quando a fruta tornou-se Madura, começou a achar que Nelson Rodrigues tinha razão: mulher que confessa a idade, é capaz de qualquer coisa… Fosse ou não, passou a acreditar na máxima.

O certo é que ela deve ter mais do que parece… Bonita, elegante, altiva, forte personalidade, mas gosta de cultivar um ar lânguido pra lembrar “Blanche Dubois”. Aliás, ela é cheia de contrastes. Aprendeu piano classico e a falar francês, como as moças de alta estirpe de sua época, mas tem um pé no bas fond e adora tango.

Stella descende de uma família tradicional do Rio de Janeiro. Sua mãe, Nanette, era francesa e dizem que começou a vida como dançarina de um famoso cabaré em Buenos Aires, onde a conheceu João Henrique – jovem oficial do Exército brasileiro, descendente do Barão de Mauá, dizem!. E, apesar dos protestos da família, com ela se casou. Nanette, bela e sedutora, brilhou nos salões da Capital Federal, exacerbando os ciúmes do marido, irascível e brigão. Falavam as más línguas que Nanette corneava o marido, porém, os mais íntimos do casal, juravam que tal suspeita não passava de preconceito, uma referência ao seu suposto passado de cabaré. E que, na verdade, Nanette era uma esposa dedicada, mãe atenta, e o casal vivia como pombinhos, pois, em casa, a mulher neutralizava o mau gênio do marido às vezes com doçura, outras gritando mais alto do que ele. A única frustração do casal era não ter um filho varão – ao parir Stella, Nanette quase morreu e passou por uma cirurgia que lhe tirou a chance de ter outro filho. Inconformado, João Henrique projetou na filha o seu desejo de um filho homem: costumava chamar Stella de “filho”, ensinou-lhe equitação, esgrima, tiro ao alvo, embora apoiasse Nanette na cruzada de fazer da única filha uma grande dama, destinada a casar-se com algum jovem rico de família abrasonada.

Stella saiu a cara da mãe. Quando criança, tinha jeito de garoto, pois procurava imitar o pai, a quem adorava, mas ousava desafiar sempre que as vontades de um e de outro não coincidiam. Chegada a adolescência, as orientações maternas e os olhares cobiçosos dos homens começaram a fazê-la assumir as posturas do “eterno feminino”. Isto perturbou muito o Coronel João Henrique, que, ameaçado de perder a filha para um pretendente, passou de aliado a pai severo. Assim, Stella, que na infância achava Nanette absolutamente dispensável, agora aliava-se à mãe. Mas jamais perdeu as maneiras destemidas e o temperamento voluntarioso, que, mesclados ao que aprendeu com a mãe, davam-lhe uma aparência meio andrógina, raríssima na época. À beleza juntou-se, então, um charme muito pessoal, irresistível.

Aos 18 anos, concluído o curso normal e o conservatório de piano, estava na hora de pensar em casamento, segundo a mãe. Os pretendentes eram muitos, manifestos em serenatas quase diárias, que tiravam o já debilitado humor do Coronel. Nanette tinha o seu predileto, um jovem médico, de rica e tradicional família paulista. Stella chegou a dar-lhe alguma esperança, mas terminou concordando com o pai, para quem o rapaz era um bunda mole. Passou a rir-se do coitado, como de tantos outros, cujos defeitos eram logo descobertos e ridicularizados. A verdade é que Stella queria mesmo era divertir-se e, apesar das admoestações da mãe para que escolhesse um marido enquanto a messe era farta, não conseguia levar a sério a ideia de casamento. Isto agradava ao Coronel, para maior desespero de Nanette.

Aos 20 anos, Stella continuava solteira e estava decidida a ser atriz. Disto o Coronel não gostou e aliou-se à mulher na guerra doméstica contra o teatro. Mas Stella meteu-se com um grupo de teatro e começou a namorar um ator, para maior desgosto dos pais. “Um ator, um vagabundo. Vocês vão viver de que, menina?”, gritava Nanette, com o seu sotaque francês. Stella ria-se de tão absurda pergunta. Estava apaixonada. Vinicius, o ator, tinha 26 anos e era o galã do grupo. Demasiado bonito e delicado pra ser homem, segundo o Coronel, Vinicius parecia gostar mesmo de mulher e estava visivelmente apaixonado por Stella. Fugiram e casaram-se.

Stella entrou para o grupo de teatro, fazendo par romântico com o marido. Formaram um casal de lindos canastrões, que faziam enorme sucesso. Dois anos depois de casados, Stella engravidou e durante os últimos meses de gravidez afastou-se do teatro. Por manobra do destino, neste momento entrou para o grupo um belo mancebo de 18 anos, que atendia pela alcunha de Baby. Não durou muito e logo começaram os boatos de que Vinicius e Baby estavam de caso. Stella imprensou Vinicius e teve a confirmação. O casamento rompeu-se, na vida e no palco. Profundamente magoada, Stella saiu do grupo de teatro, resolvida a deixar o palco. Lúcida, avaliou: não será uma grande perda para o teatro. Os amigos protestaram, mas ela foi irredutível.

O desenlace não surpreendeu o Coronel João Henrique, para quem aquele rapaz era um tanto estranho. Apoiou a filha, inclusive financeiramente até que esta arranjasse um trabalho. Logo Stella estava dando aulas de francês, com as quais conseguiu garantir o sustento seu e do filho, Alfredo.

Stella teve muitos namorados, mas não quis mais se casar. Dizia, com um sorriso irônico, que a casa era pequena demais para três. Na verdade, resolvera não dividir mais a sua vida com ninguém. Adorava viajar e reservava todas as suas economias para as viagens. Quando Alfredinho era ainda muito pequeno, ficava com os avós. Depois, passou a viajar com a mãe, que, eventualmente se fazia acompanhar por um namorado. Amava o filho, mas não era escrava do amor materno. Ensinava o filho a ser também independente, porém nisso, não teve muito sucesso, pois Alfredinho era absolutamente fixado em Stella.