Véspera de Natal, lá em casa, era sempre assim: dormíamos cedo para, de manhãzinha, com os olhos ainda remelentos, constatar se Papai Noel havia lembrado da gente ou não. O “bom” velhinho dificilmente esquecia o nosso endereço, localizado na Clodoaldo Freitas, 64, zona Norte de Teresina. Debaixo das camas e redes, eram colocados os presentes embrulhados em papel colorido e os nomes escritos num cartão. Felicidade maior não podia existir, ao menos para os filhos pequenos daquela enorme prole (nove ao todo) concebidos com amor e carinho por seu Tomé e dona Raimunda. Embora simples e de pouco valor, os brinquedos alegravam tanto os nossos dias, a ponto de esquecermos tudo, inclusive os horários sagrados de comer e dormir. Quando exagerávamos na dose, era preciso os “velhos” darem uma reprimenda ou, usando didática mais eficiente, ameaçarem recolher os objetos.
Para ser merecedor de presentes, entretanto, tínhamos que ralar bastante. As exigências eram muitas, desde ser obediente aos pais até passar de ano na escola. Dessas duas, segundo nossos “velhos”, não abria mão de jeito nenhum Papai Noel. As demais, tipo escovar os dentes e banhar todo santo dia, eram passíveis de desculpa. Afinal, éramos apenas crianças. Outra quase imperdoável: esquecer de rezar antes de cair no sono. Mesmo subtraindo trechos das orações, a intenção importava mais. Como ninguém era louco de ficar sem brinquedo, tratávamos de cumprir direito as normas, embora achássemos aquilo exageradamente rigoroso. Em meados de julho, aproveitando as férias, escrevíamos a cartinha ao Senhor do Polo Norte solicitando o brinquedo de nossa preferência, torcendo para que ele, diante de milhões de pedidos, não esquecesse da gente. Daí escrevermos o texto de maneira resumida e com letras de forma.
Embora os irmãos mais velhos tentassem quebrar o encanto de Papai Noel, alegando que ele não existia e morava em terra estrangeira, fazíamos ouvidos de mercador e esperávamos ansiosos sua visita. Brinquedo era tudo que sonhávamos. Um já estava de excelente tamanho, contanto que fosse o destacado na carta. Não víamos a hora de desembrulhar o pacote e ganhar o mundo, sobretudo, o quintal de casa e os arredores do Lindolfo Monteiro. Pouco importava se não tínhamos chaminé em nossa residência ou renas no Brasil. O coração de criança funciona, felizmente, movido a sonhos e fantasias. Ainda não se deu conta da lógica perversa do mercado, simbolizada pela figura do Velhinho gordo e barbas brancas. Tampouco que essa data é um momento para recolhimento e reflexão.
Os meninos da Clodoaldo Freitas tínhamos um Papai Noel mais interessante e real. Seu apelido era Avião, um doido que vivia imitando os roncos desse transporte aéreo. Bastava ele apontar na esquina da rua para que disparássemos ao seu encontro, Avião todo alegre em se ver cercado por tantos baixinhos. De seu jacá, repleto de brinquedos, ele sempre nos presenteava com algo: bola, carrinho, pião, revólver, peteca, papagaio, revista em quadrinho, baladeira, entre outros. Bonito era vê-lo escancarar o sorriso ao perceber nossa felicidade. Corria o boato que ficara louco de tanto apanhar na cadeia. Solto, tratou de se aproximar das pessoas, notadamente dos comerciantes, pedindo a uns e outros lembranças para distribuir entre seus numerosos “filhos”. Foi essa figura, a do Avião, que me levou a compreender o verdadeiro sentido do termo bondade. Daí mantê-lo guardado até hoje, e para sempre, no cantinho esquerdo do peito.