Numa dessas madrugadas em que o sono custa a chegar, bisbilhotando as opções nos canais fechados de televisão, não é que me deparei com um filme lindíssimo: O amor nos tempos do cólera, inspirado no romance homônimo de Gabriel García Márquez, o genial escritor colombiano e prêmio Nobel de Literatura em 1982. A narrativa descreve a comovente paixão de Florentino Ariza pela bela jovem Fermina Daza, numa pequena cidade do Caribe, finalzinho do século XIX. Depois de fisgado pelo drama sentimental, protagonizado na tela por Javier Bardem e Giovanna Mezzogiorno, agora já era eu que não queria mais que o sono aparecesse. Quem resiste, enfim, a uma bem construída história de amor? Para quem duvida, basta lembrar Romeu e Julieta, de William Shakespeare, e Tristão e Isolda, lenda que remonta ao período medieval, para ficarmos apenas em dois exemplos.
Ele a conheceu quando foi entregar, como carteiro na época, um telegrama ao pai dela, num ligeiro relance na saída, ao ver uma menina de 13 anos ensinando a tia a ler, “e esse olhar casual foi a origem de um cataclismo de amor que meio século depois não tinha terminado ainda”. A partir desse instante, Florentino não teve mais sossego na alma, tampouco no coração, observando-a diariamente passar, sentado no banco da praça, em direção ao Colégio da Apresentação da Santíssima Virgem, “onde as senhoritas da sociedade aprendiam há dois séculos a arte e o ofício de serem esposas diligentes e submissas.” Flechado no peito por Cupido, tratou logo o coitado de escrever uma carta de 70 páginas à musa inspiradora, “a bela adolescente de olhos amendoados”, na qual prometia a Fermina “sua fidelidade a toda prova e seu amor para sempre.”
Ao descobrir o envolvimento da filha com o carteiro, pois dificilmente uma garota resiste por muito tempo a um homem apaixonado, o velho a enviou para uma cidadezinha do interior, na vã esperança de protegê-la daquele pobretão. Acontece que mesmo distantes, eles continuam a se comunicar através de cartas, após Florentino descobrir o paradeiro da amada, cuja descoberta leva o pai a trazê-la de volta. Algo misterioso, entretanto, ocorre no reencontro dos dois: Fermina descobre, sabe-se lá por qual razão, que não o ama mais, deixando-o perplexo e sem entender absolutamente nada. Para embaralhar ainda mais as coisa, ela se casa com Juvenal Urbino, médico recém-chegado de Paris e que, aos 28 anos, era o “mais cobiçado dos solteiros” da cidade. Dispensável dizer o quanto Florentino ficou arrasado com isso, o chão desmoronando sob o peso de enorme sofrimento, ao tempo em “que estava resolvido a esperar sem pressas nem arrebatamentos, ainda que fosse até o fim dos séculos.”
A espera só teve fim, aliás, com a morte de Juvenal, depois de longos e sofridos 53 anos, sete meses e onze dias. Mal o cadáver havia sido enterrado, Florentino correu à casa de sua grande paixão a fim de reafirmar os sentimentos que continuava a nutrir por ela: “Fermina – disse – esperei esta ocasião durante mais de meio século, para lhe repetir uma vez mais o juramento de minha fidelidade eterna e meu amor para sempre.” Indignada com tamanha afronta, ela o xingou dos piores nomes e pediu que ele se retirasse, não retornando mais à sua residência. As cartas voltaram a aproximá-los outra vez, possibilitando que Florentino a visitasse todo santo dia e, mais adiante, a levasse em “lua de mel” num de seus navios. Bonita a resposta dada no final, ao ser indagado por ela sobre quantos dias ainda eles ficariam nesse ir e vir de navio, ele ter se saído com essa incrível afirmativa: “Toda a vida”.