Quando criança, minha obrigação semanal era ir à novena com dona Mundica, ali na Vila Operária, zona norte de Teresina. Toda terça-feira, se a memória não me trai, estava eu lá, cercado de santos e anjos, aprendendo que melhor do que os pecados cometidos é a sensação de leveza do perdão alcançado. Em troca, exigia apenas umas moedas para comprar picolé e alfinim, condição aceita por mamãe de bom grado, mas só atendida após a celebração religiosa. Com o espírito confortado, retornava feliz para casa, saboreando cada um daqueles momentos com incontido prazer. Deitado na rede pensava, mesmo ainda desconhecendo Bandeira, que a noite podia descer, a noite com os seus sortilégios.
Agora, já adulto e por vontade própria, troquei as novenas de outrora pelos refrescos deliciosos do mestre Abrahão, situado nas proximidades do antigo Instituto de Educação. Quase toda semana apareço lá, como um montão de gente também, para assinar o ponto: tomar um refresco – que de tão espesso parece mais um suco – e comer um pastelzinho caseiro. Dos sabores ofertados, prefiro os de cajá e bacuri, sem igual e que nos levam aos céus. O de abacate é bom nem falar de tão gostoso, covardia das grandes, tomando aos poucos e lambendo os beiços até o fim. Para quem está gripado, ou precisando de um reforço no estoque de vitamina C, a casa prepara um suco de laranja no capricho, adocicado com mel de abelha italiana. Na hora do prejuízo, depois de ter enchido a pança, vem o melhor de tudo: um tantinho de nada cobrado pelo delicioso lanche, com direito a troco e agradecimentos sinceros: “muito obrigado” e “volte sempre”.
E não é que volto mesmo! Na primeira folga dos trabalhos, estou lá novamente, esperando a vez de ser atendido, não só para saborear os refrescos, mas, sobretudo, ouvir as palavras sábias do mestre da Rui Barbosa com Manuel Domingos. Com a invejável experiência de vida que tem, ele nos serve gratuitamente, apesar da pouca escolaridade, lições importantes de humildade, dedicação e amor ao próximo. Através de cartazes afixados nas paredes do comércio, Abrahão da Silva Gama – o popular ASIGA -, este maranhense de São João dos Patos radicado em Teresina há mais de cinquenta anos, planta nas pessoas mensagens perturbadoras e educativas, difíceis de esquecer pelo humor sarcástico e engraçado que destilam: “Prove que é orelhudo, preferindo um refrigerante a um suco”. Ou, então, aos que têm mania de consumir sem querer pagar: “Pagar antes está na moda e virou samba! Siga o ritmo e receba os nossos agradecimentos”.
O mais impressionante é que os preços e a qualidade dos sucos permanecem, ao longo dos anos, quase sempre os mesmos, um tantinho de nada e uma gostosura que só provando. Com ou sem crise econômica, a clientela festeja e continua fiel. Todos entram e saem dali com a barriga contente e o bolso satisfeito. Aliás, um ambiente bonito de se ver e estar, com as mais distintas classes harmonizadas pela vontade de beber e comer bem, instante sublime repleto de mistério e primitividade. A imagem comovente de homens e mulheres reunidos em torno do sagrado alimento e de reflexões existenciais. Sempre que converso com seu Abrahão, a quem chamo respeitosamente de mestre, o vejo como um daqueles cidadãos imprescindíveis celebrado em versos por Bertold Brecht. Em 2013, ele se tornou por direito e merecimento, numa iniciativa louvável do deputado João de Deus (PT), cidadão piauiense. Quando sua figura me vem à lembrança, é sinal que preciso dar uma passada lá, durante a semana, a fim de saborear os deliciosos sucos.