Pouco mais de um mês separou a morte do poeta Da Costa e Silva e o nascimento daquele que se tornaria o seu grande admirador: Francisco Alves de Almeida, o Dr. Tatá, em 1950. Naquele ano, certamente não havia alguém que conhecesse tão bem obra do poeta como o médico viria a conhecer depois de adulto. O poeta vive em diversos lugares da casa e do consultório do admirador, através de livros, quadros, pinturas, esculturas e lembranças várias, que são compradas ou recebidas de presente.
Uma escultura de ferro com cerca de três metros de altura e 700 quilos, na entrada da casa do médico, simboliza bem a paixão por Da Costa e Silva. No monumento, o poeta é representado segurando um dos seus livros, com o braço esticado na posição característica de quem recita um poema. A escultura foi colocada em cima de um muro de quase 10 metros de altura, o mesmo lugar onde estão encravadas, ao longo de 35 metros de extensão, sete telas simbolizando trechos dos poemas Canção da Morte, As Musas, Rio das Garças, Sangue, A Moenda, Flamboyant e Amarante. As pinturas e a estátua são do artista plástico Ostiano Machado.
As obras são o pretexto ideal para falar sobre o poeta a qualquer visita que receba. Ninguém entra naquela casa sem ouvir alguns versos, que são recitados com verdadeira paixão. Até mesmo os pacientes quando receitados, ganham de brinde uma poesia. “Não tem um dia que eu não leia Da Costa e Silva. Conheço todos os poemas e sei pelo menos uns 15 de cor”, orgulha-se.
Antes de morrer, aos 64 anos, o poeta lançou quatro livros: Sangue (1908), Zodíaco (1917), Pandora (1919) e Verônica (1927). “Meu poema preferido é de 1912, publicado no livro Pandora. Chama-se Sob Outros Céus. Da Costa e Silva nos ensina muito, quando ele diz ‘Se é preciso lutar para ser forte / Se é preciso sofrer para ser puro’. No livro Zodíaco, ele já demonstrava preocupação com o meio ambiente, em 1917, com o poema A Derrubada”, afirma o Dr. Tatá, recitando uma sequência de versos que é concluída com um movimento de mão, simulando a assinatura do próprio poeta.
Toda essa admiração teve início há cerca de 20 anos, quando o médico chegou a Amarante para trabalhar. A cidade do interior do Piauí é a mesma na qual Da Costa e Silva nasceu e compôs a maior parte da sua obra.
“Parece até que o rio tem saudade como eu, que também sou desta maneira, saudoso e triste em plena mocidade”. – Sob outros céus, Da Costa e Silva
Dr. Tatá – natural de Souza, na Paraíba – vinha de Floriano, onde morava desde os seis anos de idade. “Naquela ocasião, conheci Emília da Paixão Costa, a Bizinha, primeira prefeita mulher de Amarante. Ela tinha muitos recortes de jornais e revistas sobre Da Costa e Silva, e ganhou um livro por ocasião dos 100 anos do poeta. Eu li exaustivamente aquela obra e me encantei pelos versos”, conta o médico.
Desde então, é comum vê-lo a qualquer momento recitando o seu ídolo. Waldir Durães, dono de uma churrascaria em Amarante, confirma: “Ele acha bom ficar na fila esperando para comprar o frango assado nos dias de domingo. Todo mundo que chega tem que ouvir uns versos”, brinca o amigo.
A paixão do fã contagia todos os que estão ao seu redor, exceto a filha Lenier, de 9 anos. “Pai, não vai recitar poesia, por favor”, ralhou a menina, quando nos viu chegar à sua casa, na manhã de um feriado. Simpático e atencioso, o Dr. Tatá largou o que estava fazendo e sorriu afetuosamente para a menina, negando-lhe o pedido. “Aaaafff! Já começou”, reclamou a pequena.
Questionado sobre as semelhanças que tem em relação ao ídolo, o médico revela mais uma vez a grandeza da sua admiração. “Seria muito pretensioso me comparar. Prefiro ser apenas o estudioso, o amante da sua obra”, declara.
Fica evidente que ele não gosta muito de falar sobre si. Prefere aproveitar as oportunidades para destacar algo da biografia do ídolo, e encontra sempre uma forma de desviar o assunto para alcançar tal objetivo. “Um dia liguei para um amigo psiquiatra e falei sobre o livro Sangue. De imediato, ele reconheceu que o poeta sofria de psicose depressiva. Era um ser melancólico”, conta.
Dr. Tatá ainda emenda informações sobre o escritor Alberto da Costa e Silva, filho do poeta. “Da Costa e Silva fez o poema Oração Silenciosa para ele. O conheci pessoalmente. Hoje é diplomata e disse que escolheu a profissão por vingança. O pai tinha esse grande sonho, mas nunca conseguiu realizar porque o Barão do Rio Branco negava o acesso do poeta à escola de diplomacia. Dizia que ele era muito feio e que eram necessários homens bonitos para representar o Brasil”, relata.
E não adianta insistir em conhecer o Dr. Tatá. Conversar com ele significa saber mais do ídolo que do fã. É ficar com um verso do poeta na cabeça e uma sensação de leveza no espírito.
(Matéria publicada na Revestrés#28 – dezembro de 2016 / janeiro de 2017)