Francisco Ventura Dias de Morais é o seu Diola. O apelido foi dado pelo avô ainda na infância. “Quando tomei entendimento de gente já tinha esse nome”, diz o homem de voz e estatura baixas, aparência serena, postura firme e ar de sabedoria.

Aos 85 anos, o barbeiro mais famoso de Teresina trabalha praticamente sozinho em uma pequena barbearia no Mercado do Mafuá, espremida entre uma drogaria e uma loja de brinquedos. Mas a pouca visibilidade não é problema para que seja encontrado. Qualquer um que passe pelo mercado sabe dizer onde fica o salão que atende clientes há 66 anos, 61 deles no mesmo bairro.

IMG_3744

(Fotos: Mauricio Pokemon)

Chegamos à barbearia do Seu Diola em uma manhã quente de domingo. Anunciamos a intenção de fazer a entrevista e recebemos um sorriso tímido. Rapidamente os clientes cederam a vez e ouviram atentos o que seu barbeiro preferido tinha a dizer. “Um homem desse a gente fica ouvindo por muitas horas. Ele merece muito mais”, diz um deles.

Seu Diola é mesmo daquelas pessoas que dão vontade de se sentar por perto, em um final de tarde na calçada, e ouvir ensinamentos para a vida. É como um avô atencioso, cujas palavras parecem ter valor especial. Ele não fala com o tom doutrinário de quem quer mostrar o que é o certo.

O barbeiro começou a vida profissional aos 12 anos, mas aos 17 descobriu seu verdadeiro talento: “rodar no pé da cadeira”, como ele mesmo caracteriza a profissão. Já somam aí 73 anos ininterruptos de trabalho, sem direito a descanso aos domingos. O segredo? “Fazer o que gosta e amar o que faz”.

E como consegue manter tantos clientes fiéis? A resposta foi inesperada. Ele não falou em fazer um bom corte, ou não machucar o freguês ao tirar a barba com a navalha afiada. “O segredo é respeitar todo mundo, do mais baixo ao mais alto. Cada cabeça é uma sentença e é preciso aceitar a opinião daquela pessoa”, ensina.

O número de clientes atendidos no salão já não é o mesmo de algumas décadas atrás. “Eu fazia até 70 clientes por dia. Hoje, as máquinas ajudam muito, mas atendo uns 26, às vezes 28 clientes”, revela. O que ainda permanece como antes é o mobiliário do salão. As cadeiras rústicas de madeira têm quase 60 anos de uso e só uma delas deu problema recentemente, ao quebrar o pedal onde o cliente apoia o pé.

“Mas eu vou mandar consertar. Comprei uma moderna, que a vendedora me deu seis meses de garantia. Se ela aguentar pelo menos dois… Mas não aguenta, não”.

Seu Diola

Das novidades do mercado o barbeiro só não abre mão da máquina de cortar, que regula de acordo com o tamanho que o cliente quer para o cabelo. O resto é feito mesmo com tesoura e navalha, com auxílio do pente fino. Trabalha praticamente sozinho: tem apenas um ajudante aos finais de semana. Nos outros dias, o barbeiro conta com sua própria agilidade para atender toda a demanda. “Teve uma vez que o cliente chegou e eu tava começando um cabelo. Ele disse que
ia chupar um picolé. Antes dele terminar eu já estava chamando”, orgulha-se.

Seu Diola nem pensa em aposentadoria. Não sofre dessas doenças comuns até aos jovens de hoje, como diabetes ou hipertensão. “Os óculos eu uso só para não cair o cabelo nos olhos, mas leio sem eles. Não tenho negócio de dor em perna, dor de cabeça. E é o dia todinho rodando no pé da cadeira. Às vezes vai até mais de 7h da noite”, conta.

A saúde foi conquistada ao longo dos anos. Seu Diola nos dá mais uma lição. “A juventude de hoje não se domina.
Tem a orientação dos pais, mas eles não obedecem. Eu, primeiro de tudo, nunca fumei, nunca me sentei em banca de bebida, nunca gostei de vida noturna e nem nunca exagerei na parte de comida. Sempre tive a vida   equilibrada”, relata.

Ele mora com a esposa, Rosa Rodrigues dos Santos, com quem teve oito filhos. É com ela que Seu Diola compartilha os pensamentos sobre a vida e a velhice. “Anteontem eu estava conversando com ela. Quando eu era bem criança ouvia os mais velhos dizerem: a gente tem que ganhar com os dentes e comer com a gengiva. Quer dizer, tem que fazer hoje pra ter amanhã. E isso foi o que me garantiu uma velhice tranquila”, comemora.

IMG_3747

(Fotos: Mauricio Pokemon)

Saímos com a certeza de que o sucesso do Seu Diola não se deve somente ao respeito com os clientes, como ele
mesmo acredita. Os fregueses também não vão ali apenas para ficarem mais bonitos. Eles querem aprender com ele, mesmo que alunos e mestre tenham praticamente a mesma idade.