Quando os militares tomaram o poder no Brasil, em 1964, ela tinha 11 anos. Não sabia nada sobre política, capitalismo ou ditadura. Àquela época, queria mesmo era brincar. De família pobre, lembra que teve uma infância feliz, filha de dona de casa e de um “vivedor”, como classifica o pai, que “fazia de tudo um pouco para sobreviver”. Só veio a conhecer a luta política por volta de 1980, quando a ditadura já estava em declínio. As primeiras experiências com movimentos sociais aconteceram depois que saiu de Pedreiras, no interior do Maranhão, para morar no Parque Piauí, zona Sul de Teresina. “O bairro fluía as lutas sociais. O povo se rebelava e se organizava: era movimento de desempregado, mulheres, negros, sindical, por moradia”, recorda.
O período coincide com a fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e com o fortalecimento do PT, dois movimentos que também tiveram a participação da militante. Hoje, aos 64 anos, ela defende a derrubada do capitalismo como única alternativa para uma sociedade mais justa.
Suas ideias ganham destaque – muitas vezes negativo – nas campanhas eleitorais, quando suas posições e expressões pouco ortodoxas chamam a atenção. Certa vez, em debate de TV na campanha para governo do Piauí, se irritou com um dos oponentes e disparou: “Eita candidato que mente!”. A frase caiu nas graças do público. Em protesto na Assembleia Legislativa do Piauí, já jogou ovos na cabeça de deputados estaduais. No último pleito (outubro/2016), candidata à prefeitura de Teresina, protagonizou uma discussão com uma jornalista da TV Clube, afiliada da Rede Globo. As imagens dos bastidores viralizaram na internet e a discussão virou meme. Na ocasião, a militante, que reclama por mais espaço na TV, abandonou a entrevista dançando e imitando a repórter. A insubordinação foi apontada como loucura e grosseria.
Seu jeito autêntico e expressão carrancuda cumprem a função de esconder a professora de educação física que também é sensível, está no magistério há mais de 30 anos, gosta de pintura, faz trabalhos artesanais e adora nadar.
Ela já se candidatou quatro vezes, ora para governadora do Piauí, ora para prefeita de Teresina. Diz que não tinha esperança de ganhar nenhuma das eleições que disputou. “Não se chega ao socialismo via eleição. A gente participa porque é um espaço para se discutir política, um momento fértil. Então ocupamos o espaço, mesmo sabendo que são regras desiguais. Quem organiza é a burguesia e ela não vai organizar uma eleição para perder”, alerta.
Durante os 45 dias da última campanha eleitoral, a candidata atropelou as palavras para encaixá-las em oito segundos de programa de TV. Entre o muito a falar e o pouco espaço, optou por denunciar como golpe o processo de afastamento da presidenta eleita, Dilma Rousseff (PT). “Ei, você aí parado, seu voto foi roubado. Fora golpista!”, dizia, enquanto homens encapuzados forjavam um assalto. “Tudo é planejado pelos nossos militantes. Eu e eles pensamos, montamos e desenvolvemos toda a ideia da propaganda”, revela.
Na campanha anterior, em 2012, então candidata a governadora, ela já protestava contra o diminuto tempo de oito segundos. Naquela época apareceu no programa eleitoral com a boca lacrada por fita isolante, fazendo esforço e tentando falar.
Mas ela não é só candidata em eleições. Suas ações políticas também estão na precariedade da escola pública da rede estadual, onde improvisa soluções para dar aulas. “Às vezes eu compro a bola, às vezes os alunos levam. Tem dias que eu chego e digo: imaginem uma bola de handebol e vamos jogar!”. A professora acredita que, assim, está discutindo também resistência. “Educação física deveria ser uma disciplina agradável e termina não sendo: não tem quadra, não tem nada. Mas os estudantes têm muita vontade, então a gente tem que se virar pra contribuir, nossa função é essa”.
Formada no início da década de 1980, na segunda turma do curso de Educação Física da Universidade Federal do Piauí, ela passou em dois concursos públicos: nas redes municipal e estadual de ensino. Já se aposentou de uma, mas permanece na ativa na outra, dando aulas no ensino médio.
Sobre as críticas a seu discurso e a forma de expressá-lo, ela considera que só assusta quem não gosta de sinceridade. “Os candidatos iludem para ganhar votos e as pessoas se iludem para satisfazer a vontade de que o melhor se realize. Eu não faço proposta demagógica. Como é que eu vou pra televisão fazer uma promessa que não será implementada?”, questiona a candidata.
Seja pelo pouco tempo de TV, pela franqueza da candidata, por uma soma de fatores ou até porque a população é manipulada – como ela acredita – o fato é que seus ideais conquistaram apenas 0,18% do total de eleitores na última campanha. Ao todo, 786 pessoas apertaram o número 29 na urna eletrônica, viram a foto e confirmaram Lourdes Melo, militante do PCO – Partido da Causa Operária. A despeito da quantidade de votos, ela é uma das personalidades políticas mais conhecidas do Piauí.
Fala, Lourdes!
A mulher que é explorada
e trabalha com baixo salário
se submete aos ditames
do machismo.
A minha luta não é individual. Sozinhas somos frágeis.
Só o avanço da luta para derrubar o capitalismo
vai melhorar as condições
de vida da humanidade.
A eleição é como se dois times tivessem disputando
um campeonato
e só um fizesse as regras.
Ele vai beneficiar a si mesmo. É um jogo de classes.
Só em você estar lutando, já tem a perspectiva de mudar.
A imprensa burguesa é uma arma. Eu falo uma coisa e ela distorce propositalmente.
(Completa na Revestrés#27 – Outubro/Novembro 2016)