De dia verdureira, à tarde cabeleireira, à noite rapariga e de madrugada, ladrão do marido alheio”. É assim que Gorete Canivete se apresenta quando chega com seu carrinho de verduras e legumes para vender à noite nos bares da zona Norte de Teresina. 

O nome divertido veio de uma brincadeira dos amigos da rua, durante um ensaio para a quadrilha da festa junina do bairro Mafuá. “Eu era a rainha caipira e todos ficavam dizendo ‘é a Gorete, é a Gorete Canivete’. Isso pegou e hoje as pessoas me chamam assim”, conta. 

Foto: Maurício Pokemon

Tanto o apelido quanto o bordão revelam muito sobre quem é Gregório Amaro da Silva, “55 anos parecida com uma menina de 15”, brinca. Alegre, espontâneo e sorridente, ele se identifica pelo gênero masculino, mas atende com bom humor quando o chamam de Gorete Canivete. “Todo mundo diz que, onde eu chego, levanto o astral. Minha maior contribuição é essa alegria que está dentro de mim, porque tristeza não paga dívida”, diz. 

Gregório – ou Gorete Canivete, como preferir – poderia ser contador, mas desistiu no terceiro ano do curso. Poderia ter sido cabeleireiro, mas guardou o certificado. “Minha profissão mesmo é feirante. Eu adoro vender minhas coisas”. 

Desde os 14 anos ele herdou a profissão da mãe no Mercado do Mafuá. Acorda às 6h da manhã e com frequência estende o expediente até a meia-noite. “Quando de dia não dá certo vender tudo, eu pego meu carrinho e saio pelos bares à noite. Vou no Gelaguela, no Pernambuco, no Alex do Caranguejo. Acho que o povo compra mais é por mim, mesmo quando não tá precisando”, reconhece. 

Além do dinheiro das vendas, o trabalho noturno sempre rende alguma diversão. “O povo me chama pra sentar na mesa, eu tomo uma cervejinha e o tempo vai se passando. Na hora que eu vejo que já é tarde, aí eu vou pra casa”, diz. 

Quando não está se divertindo no trabalho, Gorete Canivete se joga na boate. “Tudo pra mim é bom. Tanto faz se estou com dinheiro ou sem dinheiro. Onde chego sou bem-vindo”, afirma. 

Apenas três vezes por ano Gregório se traveste e assume totalmente a identidade de Gorete Canivete. “Me monto de rainha caipira na festa junina. No Corso eu me visto de mulher e no carnaval também, pra sair no bloco Vaca Atolada. No dia a dia não ando com viadagem pra cima e pra baixo, não”, diz, às gargalhadas. 

Nem mesmo o preconceito atrapalha o alto astral de Gorete Canivete, que desenvolveu uma estratégia para enfrentá-lo. “Eu não tô nem aí. Faço de conta que nem existe preconceito. Mas existe com negro, com homossexual, com rapariga. Só que a gente tem que andar de cabeça erguida”, ensina.  

(Publicado na Revestrés#35- março-abril de 2018).